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terça-feira, 12 de abril de 2011

PARTIDOS POLÍTICOS E REGIME DEMOCRÁTICO. COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS. NATUREZA JURÍDICA, FINALIDADE E PRERROGATIVAS JURÍDICO-ELEITORAIS

RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: PARTIDOS POLÍTICOS E REGIME DEMOCRÁTICO. COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS. NATUREZA JURÍDICA, FINALIDADE E PRERROGATIVAS JURÍDICO-ELEITORAIS. AS COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS COMO INSTRUMENTOS DE VIABILIZAÇÃO DO ACESSO DAS MINORIAS AO PODER POLÍTICO E DO FORTALECIMENTO DA REPRESENTATIVIDADE DOS PEQUENOS PARTIDOS POLÍTICOS. A QUESTÃO DA SUCESSÃO DOS SUPLENTES: SUPLENTE DO PARTIDO OU SUPLENTE DA COLIGAÇÃO PARTIDÁRIA? PRETENDIDA MODIFICAÇÃO DE PRÁTICA INSTITUCIONAL CONSOLIDADA, NO ÂMBITO DA JUSTIÇA ELEITORAL E DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, HÁ VÁRIAS DÉCADAS. POSTULAÇÃO CAUTELAR. INSTÂNCIA DE DELIBAÇÃO QUE SE DEVE PAUTAR POR CRITÉRIOS FUNDADOS EM JUÍZO PRUDENCIAL. ADOÇÃO DA TÉCNICA DA “PROSPECTIVE OVERRULING” EM HIPÓTESES QUE IMPLIQUEM REVISÃO SUBSTANCIAL DE PADRÕES JURISPRUDENCIAIS. PRETENSÃO MANDAMENTAL QUE OBJETIVA PROMOVER VERDADEIRA RUPTURA DE PARADIGMA. AS MÚLTIPLAS FUNÇÕES DA JURISPRUDÊNCIA. A QUESTÃO DA PREVISIBILIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS. SEGURANÇA JURÍDICA E PRINCÍPIO DA CONFIANÇA: POSTULADOS INERENTES AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.



DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado por **, que se qualifica como “primeiro parlamentar suplente” do Partido Progressista – PP, objetivando a sua convocação para o exercício do mandato de Deputado Federal, em razão de licença concedida ao respectivo titular, investido em cargo do Poder Executivo a que se refere o art. 56, I, da Constituição Federal.
Com o afastamento do Senhor ** do mandato de Deputado Federal (PP/RJ) – licenciado para exercer o cargo de Secretário de Transportes do Estado do Rio de Janeiro –, convocou-se, em decorrência de mencionada investidura político-administrativa (CF, art. 56, I), o primeiro suplente da coligação partidária, filiado, no entanto, a outro partido político (PMDB/RJ) que não aquele detentor do mandato parlamentar (PP/RJ), consoante esclarecem as informações prestadas pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados.
Busca-se invalidar, desse modo, o critério que, adotado pela Mesa da Câmara dos Deputados, confere precedência à convocação de suplente pela classificação de votação por ele obtida na coligação partidária, observada, para tanto, a ordem de classificação encaminhada, a essa Casa legislativa, pela própria Justiça Eleitoral.
O Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, ao prestar as informações que lhe foram solicitadas, encaminhou, a esta Corte, parecer que, elaborado pelo Senhor Deputado Antonio Carlos Magalhães Neto, foi aprovado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e que, em síntese, expõe as razões de direito que dão suporte à deliberação ora questionada:

“12. (...). É que, independentemente da opinião de qualquer cidadão sobre as coligações partidárias em eleições proporcionais, o fato irrefutável é que elas são autorizadas pelo nosso ordenamento jurídico. Seus efeitos, ao menos até o advento desse novo entendimento do Supremo Tribunal Federal, estendiam-se ao longo de toda a Legislatura, uma vez que os candidatos, na prática, não foram eleitos por um partido, mas por uma coligação, algo que é trivial. Como aponta o § 2º do art. 105 do Código Eleitoral, os candidatos são inscritos pela coligação, e não por seus respectivos partidos. São diplomados pelas coligações, não pelos partidos. (...).
13. As distorções de nosso sistema proporcional são conhecidas. Ele permite que candidatos com um número inexpressivo de votos assumam mandatos em detrimento de candidatos muito melhor votados. Isso decorre exatamente dos fundamentos alinhavados pela decisão liminar sob execução, que, ao citar Duverger, afirma que o mandato partidário sobrepuja o mandato eleitoral. Um candidato é eleito por um partido, com base no quociente partidário que sua sigla foi capaz de obter no pleito. O Supremo Tribunal Federal pode até alegar que as coligações são ‘efêmeras’, mas o mais importante de seus efeitos perdura durante toda a Legislatura: a definição do quociente partidário. Isto é, a definição do número de lugares que cabe a um partido (ou coligação). Permitir que as coligações tenham efeito para a formação do quociente partidário e, depois, cassar dos partidos que a compuseram até mesmo o direito à suplência gera situações profundamente iníquas em relação às siglas coligadas e ao eleitorado. É possível, até mesmo, divisar hipóteses em que partido de uma coligação soma votos suficientes para alcançar o quociente partidário isoladamente, mas ficaria sem direito sequer à suplência. Mais que um desrespeito à agremiação partidária que se coligou licitamente, é escarnecer dos eleitores que nela depositaram seu voto. O Supremo Tribunal Federal está correto ao afirmar que o mandato, num sistema proporcional, é do partido. Mas isso decorre de um fato simples: o número de vagas às quais o partido fará jus deflui do esforço conjunto de todos os seus candidatos, consubstanciado, ao fim das eleições, no quociente partidário. As vagas são obtidas pelo partido. Pertencem a ele. Porém, o fato de nosso ordenamento admitir as coligações em eleições proporcionais significa, para bem ou para mal, que é permitido que um conjunto de partidos comporte-se como apenas um durante o pleito e, por essa razão, defina conjuntamente seu quociente partidário. Ignorar isso é condenar não só candidatos, mas votos, a uma espécie de limbo eleitoral. (...).” (grifei)

Presente esse contexto, passo a apreciar a postulação cautelar formulada pela parte ora impetrante.
Não se desconhece que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 26.602/DF, Rel. Min. EROS GRAU, do MS 26.603/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, e do MS 26.604/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, firmou orientação no sentido de que o mandato eletivo vincula-se ao partido político sob cuja legenda o candidato disputou o processo eleitoral, motivo pelo qual se reconheceu que as agremiações partidárias têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema proporcional, em casos de infidelidade partidária.
Ao julgar o MS 26.603/DF, de que eu próprio fui Relator, esta Suprema Corte proferiu decisão que, no ponto, está assim ementada:

“(...) A NATUREZA PARTIDÁRIA DO MANDATO REPRESENTATIVO TRADUZ EMANAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE PREVÊ O ‘SISTEMA PROPORCIONAL’.
- O mandato representativo não constitui projeção de um direito pessoal titularizado pelo parlamentar eleito, mas representa, ao contrário, expressão que deriva da indispensável vinculação do candidato ao partido político, cuja titularidade sobre as vagas conquistadas no processo eleitoral resulta de ‘fundamento constitucional autônomo’, identificável tanto no art. 14, § 3º, inciso V (que define a filiação partidária como condição de elegibilidade) quanto no art. 45, ‘caput’ (que consagra o ‘sistema proporcional’), da Constituição da República.
- O sistema eleitoral proporcional: um modelo mais adequado ao exercício democrático do poder, especialmente porque assegura, às minorias, o direito de representação e viabiliza, às correntes políticas, o exercício do direito de oposição parlamentar. Doutrina.
- A ruptura dos vínculos de caráter partidário e de índole popular, provocada por atos de infidelidade do representante eleito (infidelidade ao partido e infidelidade ao povo), subverte o sentido das instituições, ofende o senso de responsabilidade política, traduz gesto de deslealdade para com as agremiações partidárias de origem, compromete o modelo de representação popular e frauda, de modo acintoso e reprovável, a vontade soberana dos cidadãos eleitores, introduzindo fatores de desestabilização na prática do poder e gerando, como imediato efeito perverso, a deformação da ética de governo, com projeção vulneradora sobre a própria razão de ser e os fins visados pelo sistema eleitoral proporcional, tal como previsto e consagrado pela Constituição da República. (...).”
(MS 26.603/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Em referido precedente (MS 26.603/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), tanto quanto naqueles que venho de mencionar (MS 26.602/DF, Rel. Min. EROS GRAU, e MS 26.604/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA), esta Corte, ao julgar a controvérsia que lhe foi submetida, examinou questões impregnadas de irrecusável sentido jurídico-institucional, tais como a essencialidade dos partidos políticos no processo de poder e na conformação do regime democrático, a importância do postulado da fidelidade partidária, o alto significado das relações entre o mandatário eleito e o cidadão que o escolhe, o caráter eminentemente partidário do sistema proporcional e as relações de recíproca dependência entre o eleitor, o partido político e o representante eleito.
Vê-se, daí, considerados os fundamentos que deram suporte a tais julgamentos, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal não apreciou, neles, o tema concernente à ordem de convocação dos suplentes na hipótese de coligações partidárias, ainda que reconhecesse o inquestionável relevo e o indiscutível sentido político-jurídico que as agremiações partidárias representam no plano da institucionalidade, considerados os valores que qualificam a ordem democrática, que supõe, em seus aspectos essenciais, o respeito ao pluralismo político e a possibilidade de permanente influência da vontade popular no processo decisório das instâncias governamentais.
Disso resulta o alto significado de que se revestem, em nosso sistema político-constitucional, as funções e a natureza da participação das agremiações partidárias no processo de poder e na própria conformação do regime democrático.
A Constituição Federal, ao delinear os mecanismos de atuação do regime democrático e ao proclamar os postulados básicos concernentes às instituições partidárias, consagrou, em seu texto, o próprio estatuto jurídico dos partidos políticos, definindo princípios, que, revestidos de estatura jurídica incontrastável, fixam diretrizes normativas e instituem vetores condicionantes da organização e funcionamento das agremiações partidárias (ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, RTJ 178/22-24 – ADI 1.407/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, RTJ 176/578-580, v.g.).
A normação constitucional dos partidos políticos, ninguém o ignora, tem por objetivo regular e disciplinar, em seus aspectos gerais, não só o processo de institucionalização desses corpos intermediários, como também assegurar o acesso dos cidadãos ao exercício do poder estatal, na medida em que pertence às agremiações partidárias - e somente a estas - o monopólio das candidaturas aos cargos eletivos.
As agremiações partidárias, como corpos intermediários que são, posicionando-se entre a sociedade civil e a sociedade política, atuam como canais institucionalizados de expressão dos anseios políticos e das reivindicações sociais dos diversos estratos e correntes de pensamento que se manifestam no seio da comunhão nacional.
Os partidos políticos, assim, tornam-se elementos revestidos de caráter institucional, absolutamente indispensáveis, porque nela integrados, à dinâmica do processo político e governamental.
Por isso mesmo, a Lei Fundamental de Bonn, promulgada em 1949, já definia, claramente, a função política das agremiações partidárias: “Os partidos concorrem para a formação da vontade política do povo” (art. 21, nº 1).
Os partidos políticos constituem, pois, instrumentos de ação democrática, destinados a assegurar a autenticidade do sistema representativo. Formam-se em decorrência do exercício concreto da liberdade de associação consagrada no texto constitucional.
A essencialidade dos partidos políticos, no Estado de Direito, tanto mais se acentua quando se tem em consideração que representam eles um instrumento decisivo na concretização do princípio democrático e exprimem, na perspectiva do contexto histórico que conduziu à sua formação e institucionalização, um dos meios fundamentais no processo de legitimação do poder estatal, na exata medida em que o Povo - fonte de que emana a soberania nacional - tem, nessas agremiações, o veículo necessário ao desempenho das funções de regência política do Estado.
Daí a exata observação de NORBERTO BOBBIO (“Dicionário de Política”, obra conjunta com Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, verbete Representação Política, 2ª ed., 1986, Editora UnB) sobre o decisivo papel dos partidos políticos no desenvolvimento da democracia representativa e, ainda, sobre a realidade dos vínculos entre o corpo eleitoral, o Parlamento e os representantes eleitos, expendendo considerações que põem em relevo o fato de que “(...) o papel do representante está diretamente ligado ao dos partidos (...)” (grifei).
Irrecusável, desse modo, que a figura institucional do partido político está na base da representação política e do modelo democrático, extraindo, portanto, a sua primazia, “como instrumento indispensável à realização do ideal democrático, no papel de ente intermediário entre o povo e o Estado” (MONICA HERMAN SALEM CAGGIANO, “Sistemas Eleitorais X Representação Política”, p. 292, Tese de Doutorado, 1987, São Paulo), do próprio sistema de nossa Constituição, a tornar pertinente, no caso brasileiro, o pensamento lapidar de MAURICE DUVERGER (“Os Partidos Políticos”, trad. por Cristiano Monteiro Oiticica, Zahar Editora, 1970), para quem, “sem partidos, o funcionamento da representação política, ou seja, a própria base das instituições liberais é impossível”.
Não questiono a asserção de que, contemporaneamente, prevalece a noção de que o moderno Estado constitucional representa, em sua configuração institucional, a expressão mesma de um verdadeiro Estado de Partidos.
Daí a corretíssima observação de AUGUSTO ARAS (“Fidelidade Partidária: A Perda do Mandato Parlamentar”, p. 295, item n. 5.1.3, 2006, Lumen Juris), em preciosa obra na qual destaca a realidade do presente sistema de partidos e em que assinala, com extrema propriedade, o real significado, para a ordem democrática, das agremiações partidárias:

“Partindo dessa premissa, é legítimo afirmar que o Parlamento é composto menos por políticos ‘per se’ que por partidos, bem como que os interesses partidários devem sobrepor-se aos interesses individualizados de seus filiados.
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Como o fortalecimento da democracia representativa passa pelo fortalecimento dos partidos políticos, há de se concluir que, nos Estados de Partidos parciais, o titular do mandato já é o partido político - e não o seu filiado eleito por sua legenda -, na perspectiva de um novo modelo denominado ‘mandato representativo partidário’, que se apresenta como resultado da evolução dos ‘mandatos imperativo e representativo’ oriundos, respectivamente, do ‘Ancien Régime’ e do Estado liberal.
O ‘mandato representativo partidário’ opera a partir da conjugação de elementos comuns aos modelos precedentes (‘mandatos imperativo e representativo’) para fazer brotar uma nova concepção de mandato político em que este tem por titular o partido (...).” (grifei)

Como anteriormente salientado, a controvérsia ora versada na presente sede mandamental – embora não exclua do mandato eletivo o seu caráter eminentemente partidário, tal como se decidiu nos precedentes referidos – veicula, no entanto, tema diverso, sequer neles apreciado, consistente no exame das múltiplas questões que concernem à natureza, ao significado, às funções e às prerrogativas jurídico-eleitorais das coligações partidárias.
A coligação partidária, como se sabe, constitui a união transitória de dois ou mais partidos políticos, vocacionada a funcionar, nos termos do § 1º do art. 6º da Lei nº 9.504/97, “como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários”, objetivando viabilizar, aos organismos partidários que a integram, a conquista e o acesso ao poder político (MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO, “Direito Eleitoral e Processo Eleitoral: Direito Penal Eleitoral e Direito Político”, p. 227, 2ª ed., 2010, Renovar; JOSÉ NEPOMUCENO DA SILVA, “As Alianças e Coligações Partidárias”, p. 108, item n. 2, 2003, Del Rey; ADRIANO SOARES DA COSTA, “Teoria da Inelegibilidade e o Direito Processual Eleitoral”, p. 389, item n. 2, 1998, Del Rey; WALBER DE MOURA AGRA, “Do Direito dos Partidos à Vaga dos Suplentes”, “in” “Estudos Eleitorais”, p. 181, item n. 6, vol. 5, número 3, set/dez 2010), além de fortalecer, no contexto do processo eleitoral, a representatividade e a sobrevivência das pequenas agremiações partidárias (RODRIGO CORDEIRO DE SOUZA RODRIGUES, “Partidos e Coligações: A Sucessão dos Suplentes”; RENATO VENTURA RIBEIRO, “Lei Eleitoral Comentada”, p. 79/81, item n. 6.3, 2006, Quartier Latin).
Para esse efeito, as coligações partidárias – que conferem maior eficácia à ação, conjunta e solidária, dos partidos coligados - acham-se investidas de expressivas prerrogativas de ordem jurídico-eleitoral, assim identificadas por JORGE MARLEY DE ANDRADE (“Coligações Partidárias e Representação Política no Brasil”, p. 40/42, item n. 2.5.4, 2008):

“Algumas vantagens podem advir da deliberação de disputa do pleito eleitoral de forma coligada com outros partidos. Estudos mais específicos e com análise calcada em métodos empíricos indicam a maximização do resultado eleitoral (oportunidades eleitorais) como um dos fatores determinantes da prática de coligações, sobretudo pelos pequenos partidos. Enumeramos abaixo algumas delas:
1. Os partidos coligados (coligação) têm possibilidade legal de registrar maior número de candidatos ao pleito proporcional, se comparado ao número de candidatos que podem apresentar os partidos que disputam a eleição isoladamente. Assim, segundo o artigo 10 da Lei 9.504/97, os partidos isolados podem registrar candidatos até 1,5 vezes o número de vagas da casa legislativa (magnitude eleitoral). No caso de coligação, entretanto, a possibilidade é de 2 vezes o mesmo número. Em se tratando especificamente das eleições estaduais/federais, nas unidades da federação em que o número de vagas da casa legislativa (Câmara dos Deputados) for menor/igual a 20, cada partido que concorra isoladamente pode registrar para a eleição de Deputado Estadual/Distrital (Assembléia Legislativa e Câmara Legislativa) e de Deputado Federal (Câmara dos Deputados) 2 vezes o número de vagas da correspondente Casa Legislativa. No caso de coligação, entretanto, a possibilidade é de 3 vezes o mesmo número.
2. A coligação tem maior tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e televisão porque resultado proporcional da soma da representação, na Câmara dos Deputados, dos partidos que a integram, segundo regra estabelecida no inciso II do § 2º do artigo 47 da Lei 9.504/97.
3. Podendo registrar mais candidatos, o quociente partidário (número de eleitos pela legenda – partido isolado ou coligação) das coligações tem condição de ser maior porque resultado de todos os votos dados à legenda dos partidos coligados e aos candidatos registrados pela coligação, nos termos do artigo 107 do Código Eleitoral, significando maiores chances de um melhor resultado eleitoral.
4. É de fundamental importância também ressaltar, identificando-as como repercussão das fórmulas eleitorais (cálculos dos quocientes eleitorais, quocientes partidários, definição de sobras), duas questões que interferem na tendência do comportamento coligacional das entidades partidárias, sobretudo as pequenas legendas, em razão de decisão racional e estratégica de se conseguir resultado eleitoral.
A primeira delas é que várias dessas pequenas legendas, mesmo não conseguindo atingir o quociente eleitoral (art. 106, CE) pela votação que obtêm individualmente (votos de legenda e nominais dados a mesma legenda), conseguem, não raro, eleger candidatos em razão de fazerem parte de coligação, pela transferibilidade dos votos ditada pelos artigos 107 e 108 do Código Eleitoral. Esse resultado eleitoral positivo dificilmente seria alcançado se disputassem o pleito isoladamente.
A segunda questão é também correlata às pequenas legendas, as quais, ainda que alcancem votação razoável, se não lograrem atingir o quociente eleitoral (QE igual a 0,9, por exemplo), serão irremediavelmente excluídas da participação do rateio das sobras. Isso, apesar de malferir a legitimidade eleitoral (autenticidade da representação), conduz à solução prática desse obstáculo pela formalização de alianças eleitorais.
5. Maiores chances de um melhor resultado eleitoral devido à possibilidade de maior quociente partidário indicam perspectiva de maior representação (ou pelo menos 1 vaga) do partido na Casa Legislativa e, por conseqüência, a possibilidade de determinação de várias prerrogativas ao partido, como resultado de previsões constitucionais e infraconstitucionais (...).” (grifei)

Embora a coligação não possua personalidade jurídica (ROBERTO MOREIRA DE ALMEIDA, “Curso de Direito Eleitoral”, p. 245, item n. 1.7.2, 4ª ed., 2010, JusPODIVM), qualificando-se, antes, como uma verdadeira quase pessoa jurídica (ou pessoa jurídica fictícia), o fato é que o magistério jurisprudencial do E. Tribunal Superior Eleitoral a classifica como “pessoa jurídica ‘pro tempore’” (Acórdão nº 24.531, Rel. Min. LUIZ CARLOS MADEIRA), investida de capacidade processual que lhe permite estar em juízo, atuando, perante a Justiça Eleitoral, como se um único partido fosse, não obstante integrada por diversas agremiações coligadas, a quem compete designar um representante que disporá, nessa condição, de atribuições próprias de presidente de partido político, para efeito de velar pelos interesses da coligação e de atuar, sempre na perspectiva do processo eleitoral, na representação institucional da coligação partidária.
Vale referir, no ponto, a precisa análise feita por ADRIANO SOARES DA COSTA (“A Coligação e a sua Natureza Jurídica. Proclamação dos eleitos e diplomação”):

“A coligação é a união dos partidos políticos que a integram, durante o processo eleitoral, atuando para todos os fins como um único partido político. A sua natureza jurídica é definida na legislação eleitoral. O Código Eleitoral (Lei nº 4737/65), em seu art.105, com a redação dada pela Lei nº 7.454/85, dispõe que ‘fica facultado a 2 (dois) ou mais Partidos coligarem-se para o registro de candidatos comuns a deputado federal, deputado estadual e vereador’. O § 1º do art. 6º da Lei nº 9.504/97 delimita adequadamente a sua estruturação e funcionamento, prescrevendo: ‘A coligação terá denominação própria, que poderá ser a junção de todas as siglas dos partidos que a integram, sendo a ela atribuídas as prerrogativas e obrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral, e devendo funcionar como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários’.
Note-se: a coligação se sub-roga nos direitos e deveres dos partidos políticos frente a terceiros, como os demais partidos políticos e a própria Justiça Eleitoral. Os partidos políticos cedem à coligação a autonomia das suas decisões, funcionando como um único partido político. Mais ainda: a função precípua da coligação é registrar, em seu nome, candidatos para as vagas em disputa.
Definida a sua formação nas convenções de cada um dos partidos políticos que a compõem, observando as normas definidas em seus estatutos (art. 7º da Lei nº 9.504/97), as coligações proporcionais pedirão o registro dos candidatos até o dobro do número de lugares a preencher (§ 1º do art. 10 da Lei nº 9.504/97), diferentemente do partido político isolado, que poderá concorrer apresentando até 150% do número de lugares a preencher. E essa diferença de tratamento decorre de um fato simples: ‘a coligação de partidos fortalece os seus candidatos na obtenção do quociente eleitoral e na luta por cadeiras do legislativo’.
O § 3º do art. 10 determina que cada partido ou coligação preencha no mínimo 30% do número de vagas de um mesmo sexo. Se a coligação é formada pelos partidos A, B e C, o cômputo dos 30% é feito pela nominata constante no pedido de registro de candidatura, independentemente da sigla a que pertençam. É dizer, um partido poderá inscrever mais mulheres do que outro, que, individualmente, não alcance aquele mínimo legal.
Quem registra os candidatos para concorrerem no processo eleitoral é a coligação, e não os partidos políticos que a compõem (art. 11, ‘caput’ da Lei nº 9.504/97). Do mesmo modo, é a coligação quem pode substituir candidato inelegível, que tenha renunciado ou falecido, na forma do art. 13). A substituição será feita por ‘decisão da maioria absoluta dos órgãos executivos de direção dos partidos coligados, podendo o substituto ser filiado a qualquer partido dela integrante, desde que o partido ao qual pertencia o substituído renuncie ao direito de preferência’ (§ 2º do art. 13).
Como se pode observar, nas eleições proporcionais, vota-se nominalmente em lista aberta de candidatos apresentados por partidos políticos isolados ou por coligação de partidos políticos. Por essa razão, o cômputo dos votos válidos para a definição dos candidatos que ocuparão as vagas em disputa é feito observando, para a formação do quociente eleitoral e partidário, a existência de coligação, tomando-se a coligação como sendo um partido político. (...).
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Os votos do candidato são computados para a coligação, condicionada a sua validade ao deferimento do registro de candidatura pedido pela sua coligação ou, subsidiariamente, pelo próprio candidato.
Há duas regras de ouro para o preenchimento das vagas pelos candidatos (...): (a) o preenchimento dos lugares com que cada partido ou coligação for contemplado far-se-á segundo a ordem de votação recebida pelos seus candidatos (§ 1º do art. 109 do Código Eleitoral), e (b) só poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos e coligações que tiverem obtido quociente eleitoral (§ 2º do art. 109 do Código Eleitoral).
É dizer: tanto os partidos políticos, isoladamente, como as coligações deverão obter o quociente eleitoral, ficando as suas vagas definidas pela ordem de votação. Insista-se, então: as coligações são contempladas ‘segundo a ordem de votação recebida pelos seus candidatos’.
Os suplentes são aqueles efetivos não-eleitos mais votados sob a mesma legenda partidária ou sob a mesma coligação, que compõem as listas registradas. Em uma interpretação sistemática, a legislação eleitoral equipara o tratamento dado à coligação àquele dado aos partidos políticos, razão pela qual denomina quociente partidário um índice que de igual modo se aplica à coligação. (...).
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Como se pode observar, a coligação é um partido político temporário, cuja existência se encerra após a proclamação dos eleitos. Nada obstante, permanece válido e eficaz o ato jurídico de proclamação dos eleitos e o diploma outorgado aos suplentes como suplentes, na ordem da proclamação dos resultados.
O 1º suplente da coligação é 1º suplente para ocupar a vaga do titular eleito pela coligação não porque a coligação continue existindo, mas, sim, porque existe a proclamação dos resultados das eleições e a diplomação dos suplentes, na ordem definida naquela. As coligações deixam de existir; o resultado das eleições persiste no tempo, sendo eficaz e vinculante. Afinal, para que se diplomar o 1º suplente da coligação como o primeiro na ordem dos não-eleitos, se o diploma tivesse apenas uma natureza honorífica e inútil?” (grifei)

Essa percepção da matéria, tal como exposta na lição que se vem de reproduzir, revela que são inconfundíveis a existência (meramente transitória) da coligação partidária, de um lado, e a eficácia (permanente) dos resultados eleitorais por ela obtidos, de outro.
Ou, em outras palavras: a transitoriedade da coligação não se confunde com os efeitos dos atos por ela praticados e dos resultados eleitorais por ela obtidos, que permanecem válidos e eficazes.
Ao conferir precedência ao suplente da coligação, a ilustre autoridade apontada como coatora, observando diretriz que tem prevalecido, por décadas, no âmbito da Justiça Eleitoral, certamente considerou a vontade coletiva dos partidos políticos, que, fundados na autonomia que lhes outorgou a própria Constituição da República (ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 1.407/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), uniram-se, transitoriamente, em função do processo eleitoral, para, em comum, e fortalecidos pelo esforço solidário de todos, atingir objetivos que, de outro modo, não conseguiriam implementar se atuassem isoladamente.
Tratando-se de eleições proporcionais, e como a distribuição de cadeiras entre os partidos políticos é realizada em razão da votação por eles obtida, não se desconhece que, fora das coligações, muitas agremiações partidárias, atuando isoladamente, sequer conseguiriam eleger seus próprios candidatos, eis que incapazes, elas mesmas, de atingir o quociente eleitoral.
No entanto, tal seria possível se as agremiações, disputando o processo eleitoral, o fizessem no âmbito de uma coligação partidária, pois mais facilmente alcançável, por essa união transitória de partidos políticos, o quociente eleitoral necessário à distribuição de lugares nas Casas legislativas, especialmente porque viável, presente esse contexto, a obtenção de resultados eleitorais positivos, considerada, para tanto, a possibilidade de cômputo de votos autorizada pelo que dispõem os arts. 107 e 108, ambos do Código Eleitoral, que estabelecem, uma vez definido o respectivo quociente partidário para a coligação (CE, art. 107), que estarão eleitos tantos candidatos registrados por determinada coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, “na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido” (CE, art. 108).
Acentue-se, por necessário, que, tratando-se de coligações partidárias, os votos válidos atribuídos a cada um dos candidatos, não obstante filiados estes aos diversos partidos coligados, são computados em favor da própria coligação partidária, além de considerada tal votação para efeito dos cálculos destinados à determinação do quociente eleitoral e do quociente partidário, a significar, portanto, que esse cômputo dos votos válidos, efetuado para fins de definição dos candidatos e dos lugares a serem preenchidos, deverá ter como parâmetro a própria existência da coligação partidária e não a votação dada a cada um dos partidos coligados.
Importante destacar, ainda, a advertência de RODRIGO CORDEIRO DE SOUZA RODRIGUES (“Partidos e Coligações: A Sucessão dos Suplentes”), especialmente quando assinala que a rejeição do critério adotado pela Justiça Eleitoral (e observado, há mais de quatro décadas, pela Mesa da Câmara dos Deputados), tal como postulada pelo ora impetrante, poderá implicar cerceamento do direito das minorias, com gravíssimas distorções descaracterizadoras da essência do regime democrático:

“Embora a formação de coligações possa provocar distorções na vontade popular, e não é isso que se questiona aqui, o entendimento do STF, ao que parece, desviou-se do fim primordial das coligações, que é justamente propiciar a junção de partidos hipossuficientes, os quais, isolados, jamais conseguiriam participar do poder legislativo.
Todavia, repise-se, o entendimento adotado pela Corte de Justiça Pátria, ao partir de uma premissa imposta em outro julgamento anterior, esqueceu-se de que as coligações são verdadeiros partidos, cuja unidade precisa ser considerada durante toda legislatura. Do contrário, sepultar-se-ão as coligações dos grandes partidos com aqueles partidos nanicos, os quais, ainda que unidos, dificilmente, conseguirão coeficiente necessário para a devida representatividade.
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Aqui, os maiores prejudicados não são os candidatos dos pequenos partidos, mas o povo que votou em candidatos de uma coligação (que deveria possuir ideologias simétricas) e não terá o direito de ver os representantes preferidos dessa coligação (conforme votação distribuída internamente) exercerem as suas atribuições, o que violaria, no dizer de Caio Mario de Silva Velloso e Walber de Moura Agra, a legitimação democrática.” (grifei)

Preocupa-me, sobremaneira, o fato de que a eventual inobservância do critério até agora prevalecente poderá importar, pela desconsideração dos propósitos que animam a formação de coligações partidárias, em grave marginalização dos grupos minoritários em sua disputa pelo poder, o que culminaria por reduzir, esvaziando-o, o coeficiente de legitimidade democrática que deve qualificar as instituições do Estado brasileiro.
Na realidade, esse tema – o da preservação do direito das minorias que buscam, pela via democrática do processo eleitoral, o acesso às instâncias de poder – deve compor, por tratar-se de questão impregnada do mais alto relevo, a própria agenda desta Corte Suprema, incumbida, por efeito de sua destinação institucional, de velar pela supremacia da Constituição e pelo respeito aos direitos, inclusive de grupos minoritários, que nela encontram fundamento legitimador.
Com efeito, a necessidade de assegurar-se, em nosso sistema jurídico, proteção às minorias e aos grupos vulneráveis qualifica-se, na verdade, como fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito, havendo merecido tutela efetiva, por parte desta Suprema Corte, quando grupos majoritários, atuando no âmbito do Congresso Nacional, ensaiaram medidas arbitrárias destinadas a frustrar o exercício, por organizações minoritárias, de direitos assegurados pela ordem constitucional (MS 24.831/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 24.849/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 26.441/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Lapidar, sob tal aspecto, a advertência do saudoso e eminente Professor GERALDO ATALIBA (“Judiciário e Minorias”, “in” Revista de Informação Legislativa, vol. 96/189-194):

“É que só há verdadeira república democrática onde se assegure que as minorias possam atuar, erigir-se em oposição institucionalizada e tenham garantidos seus direitos de dissensão, crítica e veiculação de sua pregação. Onde, enfim, as oposições possam usar de todos os meios democráticos para tentar chegar ao governo. Há república onde, de modo efetivo, a alternância no poder seja uma possibilidade juridicamente assegurada, condicionada só a mecanismos políticos dependentes da opinião pública.
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A Constituição verdadeiramente democrática há de garantir todos os direitos das minorias e impedir toda prepotência, todo arbítrio, toda opressão contra elas. Mais que isso – por mecanismos que assegurem representação proporcional -, deve atribuir um relevante papel institucional às correntes minoritárias mais expressivas.
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Na democracia, governa a maioria, mas – em virtude do postulado constitucional fundamental da igualdade de todos os cidadãos – ao fazê-lo, não pode oprimir a minoria. Esta exerce também função política importante, decisiva mesmo: a de oposição institucional, a que cabe relevante papel no funcionamento das instituições republicanas.
O principal papel da oposição é o de formular propostas alternativas às idéias e ações do governo da maioria que o sustenta. Correlatamente, critica, fiscaliza, aponta falhas e censura a maioria, propondo-se, à opinião pública, como alternativa. Se a maioria governa, entretanto, não é dona do poder, mas age sob os princípios da relação de administração.
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Daí a necessidade de garantias amplas, no próprio texto constitucional, de existência, sobrevivência, liberdade de ação e influência da minoria, para que se tenha verdadeira república.
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Pela proteção e resguardo das minorias e sua necessária participação no processo político, a república faz da oposição instrumento institucional de governo.
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É imperioso que a Constituição não só garanta a minoria (a oposição), como ainda lhe reconheça direitos e até funções.
.......................................................
Se a maioria souber que – por obstáculo constitucional – não pode prevalecer-se da força, nem ser arbitrária nem prepotente, mas deve respeitar a minoria, então os compromissos passam a ser meios de convivência política.” (grifei)

O Estado de Direito, concebido e estruturado em bases democráticas, mais do que simples figura conceitual ou mera proposição doutrinária, reflete, em nosso sistema jurídico, uma realidade constitucional densa de significação e plena de potencialidade concretizadora dos direitos e das liberdades públicas.
A opção do legislador constituinte pela concepção democrática do Estado de Direito não pode esgotar-se numa simples proclamação retórica. A opção pelo Estado democrático de direito, por isso mesmo, há de ter conseqüências efetivas no plano de nossa organização política, na esfera das relações institucionais entre os poderes da República e no âmbito da formulação de uma teoria das liberdades públicas e do próprio regime democrático. Em uma palavra: ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República.
Tenho por relevantes, por extremamente relevantes, as observações que fez o eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Relator do MS 30.459-MC/DF, quando do exame, naquela sede mandamental, de pleito cautelar formulado em contexto idêntico ao que ora se analisa:

“(...) a Constituição Federal adotou, expressamente, o sistema proporcional para os cargos no âmbito Legislativo Federal, Estadual e Municipal, fixou as hipóteses em que o suplente será convocado e definiu, ‘a posteriori’, que os partidos poderão formar amplas coligações partidárias, inclusive, sem qualquer coerência com as esferas nacional, estadual e municipal.
Coube, então, à legislação infraconstitucional disciplinar a forma como os candidatos são escolhidos pelo sistema proporcional brasileiro, a partir de dois grandes vetores constitucionais, a saber: a autonomia partidária na formação de coligações e a soberania popular.
Nesse diapasão, o Código Eleitoral, após regulamentar a fórmula em que são calculados o quociente eleitoral e o quociente partidário (arts. 106 e 107 da Lei 4.737/65), fixou o critério para a elaboração da lista dos eleitos e respectivos suplentes.
Na sequência, destaco que o art. 108 do referido diploma normativo estabelece que ‘estarão eleitos tantos candidatos registrados por um Partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido’ (...).
Em outras palavras, a lista dos eleitos da coligação de partidos é formada pelos candidatos mais votados, sendo que a ordem de suplência segue, evidentemente, a mesma lógica, qual seja, do mais votado não eleito (1º suplente) até o menos votado não eleito (último suplente) da coligação.
Destaco, por relevante, que, no espírito da redemocratização, a Lei 7.454, de 30 de dezembro de 1985, alterou dispositivos do Código Eleitoral para assentar que cada Partido poderá usar sua própria legenda sob a denominação de coligação e que ‘a Coligação terá denominação própria, a ela assegurados os direitos que a lei confere aos Partidos Políticos no que se refere ao processo eleitoral, aplicando-lhe, também, a regra do art. 112 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, quanto à convocação de Suplentes’ (art. 4º, parágrafo único).
Na mesma linha, o art. 6º da Lei das Eleições estabelece que é ‘facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se mais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integram a coligação para o pleito majoritário’. Em seguida, o § 1º do mesmo dispositivo assenta que:

‘A coligação terá denominação própria, que poderá ser a junção de todas as siglas dos partidos que a integram, sendo a ela atribuídas as prerrogativas e obrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral, e devendo funcionar como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários’.

Em suma, no sistema proporcional adotado pelo legislador brasileiro, a formação da lista de eleitos e suplentes é feita a partir dos candidatos mais votados e apresentados por determinada coligação que possui direitos assegurados por lei.
De outro lado, não desconheço, é verdade, que as coligações partidárias são criadas, especificamente, para atuar em determinado período (do registro de candidatura até a diplomação dos candidatos eleitos e respectivos suplentes). Todavia, os seus efeitos projetam-se para o futuro, em decorrência lógica do ato de diplomação dos candidatos eleitos e seus respectivos suplentes. Tanto é assim, que as coligações podem figurar como parte em processos eleitorais (Ação de Impugnação de Mandato Eletivo e Recurso Contra Expedição de Diploma) com evidente legitimidade ativa ‘ad causam’, mesmo após a diplomação, na fase pós-eleitoral.
.......................................................
Portanto, proclamada a ordem de votação dos candidatos eleitos e seus respectivos suplentes da coligação partidária, formada estará a lista que será obedecida por ocasião da diplomação, nos termos do art. 215 do Código Eleitoral, ‘in verbis’:

‘Os candidatos eleitos, assim como os suplentes, receberão diploma assinado pelo Presidente do Tribunal Regional ou da Junta Eleitoral, conforme o caso’.

E, uma vez diplomados os candidatos eleitos e consolidada a ordem dos respectivos suplentes, torna-se a diplomação um ato jurídico perfeito e acabado, somente podendo ser desconstituída nos casos estritamente previstos na legislação eleitoral e na Constituição, resguardados, evidentemente, os princípios do devido processo legal.
Afasto, por fim, na espécie, os precedentes invocados que tratam do instituto da fidelidade partidária (MS 26.602, MS 26.603 e MS 26.604) uma vez que estes julgados não versaram sobre a investidura de suplentes na hipótese de vacância regular na cadeira do titular, assentando apenas que o mandato pertence ao partido quando verificada a infidelidade partidária, sem justa causa.
Em outros termos, a perda de mandato por infidelidade partidária é matéria totalmente diversa da convocação de suplentes no caso de vacância regular do mandato eletivo. (...).
Ressalte-se, mais, que, nos casos de investidura em cargos do Executivo, o parlamentar faz uma opção política sem nenhum prejuízo para a legenda que consentiu e é beneficiaria do cargo, já nos casos de infidelidade partidária sem justa causa, o partido é inequivocamente prejudicado.
Por fim, consigno que o quociente eleitoral que assegurou lugar na cadeira de Deputado a determinado candidato foi formado pelos votos da coligação partidária e não do partido isolado. (...).” (grifei)

Todas essas razões, notadamente as expostas pelo eminente Presidente do E. Tribunal Superior Eleitoral, Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, convencem-me, ao menos neste juízo de sumária cognição, da ausência de plausibilidade jurídica da pretensão cautelar ora em exame.
Devo considerar, ainda, sempre em juízo de delibação, um outro fundamento, este expressamente invocado pela União Federal, e que concerne à necessidade de se observar, na espécie, o princípio da segurança jurídica:

“A sistemática da investidura na suplência do parlamentar licenciado, defendida na inicial, é nova e muda o sentido de como os dispositivos normativos que regem a matéria devem ser interpretados. O ato impugnado observou a sistemática adotada segundo a interpretação de décadas da lei de regência. Alterá-la após o término das eleições significa surpreender partidos, participantes do pleito mediante coligações e eleitores, quanto ao resultado do jogo eleitoral.
Sob outro prisma, embora seja prática frequente no Congresso Nacional, em nenhum momento o Colegiado dessa Suprema Corte enfrentou o tema ‘convocação de suplentes em razão de vacância por afastamentos previstos no artigo 56 da Constituição da República’. O único precedente acerca da matéria é o MS nº 28.143/MS, decidido monocraticamente pelo Ministro Ricardo Lewandowski, cuja decisão foi exatamente contrária à tese do impetrante.
O ‘writ’, em verdade, veicula proposta de mudança na compreensão da norma, o que implica inovação das regras do jogo que tocam direitos. Caso adotada a nova sistemática, esta deve valer a partir das próximas eleições, sob pena de inadmissível surpresa aos eleitores e aos participantes do jogo político-eleitoral, situação que fere, irremediavelmente, os postulados da proteção da confiança e da segurança jurídica, conforme consignou o Supremo no julgamento do referido MS nº 26.603/MS.
Assim sendo, caso seja confirmado o novo entendimento trazido na inicial da impetração, pugna-se pela aplicação da técnica do ‘prospective overruling’ para que o marco legal seja fixado a partir do julgamento definitivo do primeiro caso específico da matéria a ser julgado por essa Corte e, por consequência, indeferida a ordem, por irretroatividade da nova jurisprudência.” (grifei)

Tenho para mim, com toda vênia, que, se prevalecer o entendimento firmado pelo Plenário desta Suprema Corte no julgamento de pleito cautelar deduzido no MS 29.988-MC/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES, poderá vir a ocorrer uma substancial revisão de padrões jurisprudenciais até agora observados pela Justiça Eleitoral (inclusive pelo E. Tribunal Superior Eleitoral), com a conseqüente ruptura de paradigma dela resultante, o que imporá a necessidade de definir o momento a partir do qual essa nova diretriz deverá ter aplicação, considerada a exigência de respeito ao postulado da segurança jurídica.
O que me parece irrecusável, nesse contexto, é o fato de que a posse do suplente (vale dizer, do primeiro suplente da coligação partidária), no caso em exame, processou-se com a certeza de que se observava a ordem estabelecida, há décadas, pela Justiça Eleitoral, e definida, quanto à convocação de suplentes, segundo o que prescreve o art. 4º, “caput”, da Lei nº 7.454/85.
Havia, portanto, no contexto em exame, um dado objetivo, apto a gerar a expectativa da plena validade jurídico-constitucional dos atos de diplomação, para efeito de convocação dos suplentes, considerada a ordem de votação obtida pela coligação partidária.
Esta Suprema Corte, tendo em vista as múltiplas funções inerentes à jurisprudência – tais como a de conferir previsibilidade às futuras decisões judiciais nas matérias por elas abrangidas, a de atribuir estabilidade às relações jurídicas constituídas sob a sua égide, a de gerar certeza quanto à validade dos efeitos decorrentes de atos praticados de acordo com esses mesmos precedentes e a de preservar, assim, em respeito à ética do Direito, a confiança dos cidadãos (e dos candidatos e das respectivas coligações partidárias) nas ações do Estado -, tem reconhecido a possibilidade, mesmo em temas de índole constitucional (RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), de determinar, nas hipóteses de revisão substancial da jurisprudência derivada da ruptura de paradigma, a não incidência, sobre situações previamente consolidadas, dos novos critérios que venham a ser consagrados pelo Supremo Tribunal Federal.
Esse entendimento não é estranho à experiência jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que já fez incidir o postulado da segurança jurídica em questões várias, inclusive naquelas envolvendo relações de direito público (MS 24.268/MG, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES - MS 24.927/RO, Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.) e, também, de caráter político (RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), cabendo mencionar decisão do Plenário que se acha consubstanciada, no ponto, em acórdão assim ementado:

“REVISÃO JURISPRUDENCIAL E SEGURANÇA JURÍDICA: A INDICAÇÃO DE MARCO TEMPORAL DEFINIDOR DO MOMENTO INICIAL DE EFICÁCIA DA NOVA ORIENTAÇÃO PRETORIANA.
- Os precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal desempenham múltiplas e relevantes funções no sistema jurídico, pois lhes cabe conferir previsibilidade às futuras decisões judiciais nas matérias por eles abrangidas, atribuir estabilidade às relações jurídicas constituídas sob a sua égide e em decorrência deles, gerar certeza quanto à validade dos efeitos decorrentes de atos praticados de acordo com esses mesmos precedentes e preservar, assim, em respeito à ética do Direito, a confiança dos cidadãos nas ações do Estado.
- Os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, inclusive as de direito público, sempre que se registre alteração substancial de diretrizes hermenêuticas, impondo-se à observância de qualquer dos Poderes do Estado e, desse modo, permitindo preservar situações já consolidadas no passado e anteriores aos marcos temporais definidos pelo próprio Tribunal. Doutrina. Precedentes.
- A ruptura de paradigma resultante de substancial revisão de padrões jurisprudenciais, com o reconhecimento do caráter partidário do mandato eletivo proporcional, impõe, em respeito à exigência de segurança jurídica e ao princípio da proteção da confiança dos cidadãos, que se defina o momento a partir do qual terá aplicabilidade a nova diretriz hermenêutica.
- Marco temporal que o Supremo Tribunal Federal definiu na matéria ora em julgamento: data em que o Tribunal Superior Eleitoral apreciou a Consulta nº 1.398/DF (27/03/2007) e, nela, respondeu, em tese, à indagação que lhe foi submetida.”
(MS 26.603/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vale mencionar, por oportuno, a título de mera ilustração, que também a prática jurisprudencial da Suprema Corte dos EUA tem observado esse critério, fazendo-o incidir naquelas hipóteses em que sobrevém alteração substancial de diretrizes que, até então, vinham sendo observadas na formação das relações jurídicas, inclusive em matéria penal.
Refiro-me, não só ao conhecido caso “Linkletter” – Linkletter v. Walker, 381 U.S. 618, 629, 1965 –, como, ainda, a muitas outras decisões daquele Alto Tribunal, nas quais se proclamou, a partir de certos marcos temporais, considerando-se determinadas premissas e com apoio na técnica do “prospective overruling”, a inaplicabilidade do novo precedente a situações já consolidadas no passado, cabendo relembrar, dentre vários julgados, os seguintes: Chevron Oil Co. v. Huson, 404 U.S. 97, 1971; Hanover Shoe v. United Shoe Mach. Corp., 392 U.S. 481, 1968; Simpson v. Union Oil Co., 377 U.S. 13, 1964; England v. State Bd. of Medical Examiners, 375 U.S. 411, 1964; City of Phoenix v. Kolodziejski, 399 U.S. 204, 1970; Cipriano v. City of Houma, 395 U.S. 701, 1969; Allen v. State Bd. of Educ., 393 U.S. 544, 1969, v.g..
Razões de prudência, portanto, estimuladas, no caso em exame, pela existência de uma prática institucional consolidada há décadas, não me permitem deferir, ainda mais em sede de incompleta cognição, o pleito cautelar ora veiculado nesta impetração mandamental, não se me revelando adequado desconstituir, em fase de mera delibação, uma situação jurídica que se constituiu com estrita observância de sólidos precedentes jurisprudenciais firmados pelo E. Tribunal Superior Eleitoral.
Em uma palavra: os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922), em ordem a viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado, para que se preservem, desse modo, situações já consolidadas no passado.
Sendo assim, em juízo de estrita delibação, tendo em consideração as razões expostas, e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, indefiro o pedido de medida liminar.

2. Citem-se, na condição de litisconsortes passivos necessários, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, o Partido Social Cristão – PSC, os suplentes de Deputado Federal indicados pelo próprio impetrante em sua petição inicial e o Suplente **, que, embora não mencionado pela parte impetrante, poderá vir a sofrer os efeitos de eventual decisão concessiva de mandado de segurança, eis que, conforme as informações prestadas pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, tomou posse no cargo de Deputado Federal em decorrência de convocação motivada pelo ato apontado como coator.
A efetivação dos atos citatórios em referência constitui providência essencial ao regular prosseguimento da presente impetração, pois a eventual concessão do mandado de segurança terá o condão de afetar a situação jurídica de referidos suplentes, bem assim dos partidos políticos a que se acham vinculados mediante filiação partidária.
Na realidade, como enfatizado, o eventual deferimento da ordem mandamental ora impetrada terá direta e imediata repercussão na esfera jurídica das agremiações partidárias (e dos suplentes mais bem classificados segundo a ordem de votação), o que justifica a intervenção, “jussu judicis”, na presente relação processual.
É tão importante (e inafastável) a efetivação desses atos citatórios, com o conseqüente ingresso formal desses litisconsortes passivos necessários na presente causa mandamental - o que viabilizará, por imperativo constitucional, a instauração do contraditório -, que a ausência de referidas medidas, não obstante o rito especial peculiar ao mandado de segurança, poderá importar em nulidade processual, consoante adverte a jurisprudência dos Tribunais em geral, inclusive a desta Suprema Corte (RTJ 57/278 – RTJ 59/596 – RTJ 64/777 – RT 391/192, v.g.):

“No caso de litisconsórcio necessário, torna-se imprescindível a citação do litisconsorte, sob pena de nulidade do processo.”
(Revista dos Tribunais, vol. 477/220 – grifei)

Determino, assim, pelas razões expostas, sejam citados, na condição de litisconsortes passivos necessários, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, o Partido Social Cristão – PSC, os suplentes de Deputado Federal indicados pelo próprio impetrante em sua petição inicial, bem assim o Deputado Federal, em exercício, **.
Para tanto, o ora impetrante deverá adotar, junto à Secretaria deste Tribunal, as providências necessárias à efetivação dos referidos atos citatórios.

3. Defiro, finalmente, o ingresso da União Federal na presente relação processual.

Publique-se.

Brasília, 31 de março de 2011.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator




fonte: STF

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