Os serviços diplomáticos e consulares, como representantes de Estados estrangeiros, são imunes à jurisdição brasileira, inclusive a trabalhista, ou estão obrigados a responder judicialmente por eventuais lesões a direitos alegadas por cidadãos brasileiros?
Na 38ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, o juiz Marcos Penido de Oliveira, julgou ação em que se discutiu exatamente isso. Uma trabalhadora que prestou serviços para o Consulado da Itália em Belo Horizonte, através da empresa Conquista Empreendimentos Ltda., ajuizou reclamação trabalhista contra as duas rés, alegando ter sido prejudicada em seus direitos. Ela exerceu funções de auxiliar administrativo, fazendo cadastro de italianos e a contabilidade do Consulado, entre outubro de 2006 e agosto de 2010, mas o vínculo só foi formalizado, com a Conquista Empreendimentos, a partir de 01/10/2008. Segundo alegou, os reclamados estavam cientes da sua gravidez quando a dispensaram e, além de não respeitarem a sua estabilidade provisória ao emprego, não foi feito o acerto rescisório. Ao longo do contrato, vários direitos trabalhistas, como férias, salários e recolhimentos previdenciários e de FGTS, lhe foram sonegados.
O Consulado argüiu imunidade de jurisdição e execução em virtude da sua condição de Estado estrangeiro. Sustentou ser perfeitamente legal a contratação da empregada através da empresa Conquista Empreendimentos, empregadora da reclamante, e, por isso, inexistiria possibilidade de reconhecimento de vínculo.
Mas o julgador teve um entendimento diferente sobre essas matérias. Quanto à imunidade de jurisdição, de acordo com o juiz, esta não é absoluta, vez que o Consulado está submetido à legislação trabalhista brasileira em caso de eventual relação de emprego mantida com a reclamante. "Aplicável o art. 5°, XXXV, da CR, segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça de direito será subtraída da apreciação do Poder Judiciário, mesmo porque em exame atos de gestão praticados por consulado estrangeiro em face de cidadã brasileira residente neste país", pontuou.
O juiz sentenciante citou caso semelhante, decidido pelo TRT de Minas, com base no voto da desembargadora Alice Monteiro de Barros, para quem "as Convenções de Viena firmadas em 1961 e 1963, que regulamentam, respectivamente, os serviços diplomático e consular, não garantiam a imunidade de jurisdição do Estado, mas tão-somente de seus representantes (diplomatas e cônsules)". Pela tese da desembargadora, adotada pelo juiz sentenciante, a imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro vinha sendo aplicada com base numa prática costumeira na esfera internacional. Mas, a partir da década de 1970, isso começou a mudar, com a adoção de leis, por vários países, que restringem a imunidade. A Convenção Européia, em 1972, por exemplo, afastou a imunidade no caso de demanda trabalhista ajuizada por súdito, ou pessoa residente no território local, contra representação diplomática estrangeira. Nesse contexto, o STF alterou o posicionamento anterior favorável à imunidade absoluta, e o entendimento agora adotado é o de que o ente de direito público externo está sujeito a cumprir a legislação trabalhista na hipótese de contratação de empregados. Segundo esclarece a desembargadora, apenas os chamados atos de império atraem a imunidade de jurisdição: "Os atos de gestão, como, por exemplo, a contratação de pessoas residentes ou domiciliadas no país acreditado, não estão abrangidos pela referida imunidade. Logo, o Poder Judiciário não deverá negar a prestação jurisdicional devida a brasileiros que venham alegar lesão a seus direitos trabalhistas pela atuação de Estados estrangeiros, dentro do território nacional". (TRT 3ª Região, processo 01558-2001-001-03-00-1 RO. 2ª Turma, Rel. Desembargadora Alice Monteiro de Barros, DJMG 01/05/2002).
Fonte | TRT 3ª Região - Segunda Feira, 03 de Outubro de 2011
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