PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE
SÃO PAULO
ACÓRDÃO/DECISÃO
MONOCRÁTICA
REGISTRADO(A) SOB
N° A C Ó R D Ã O *03696202*
Vistos, relatados e
discutidos estes autos de Apelação
nº 9166190-87.2006.8.26.0000, da Comarca de SÃO PAULO-REG
PUBL, em que são apelantes MPAZM e CM sendo apelado O JUÍZO.
ACORDAM, a Câmara
de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a
seguinte decisão: "POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO,
VENCIDO O RELATOR, QUE
DECLARARÁ VOTO. ACÓRDÃO COM O
REVISOR.", de
conformidade com o voto do (a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a
participação dos Desembargadores DONEGÁ MORANDINI (Presidente sem voto),
CARLOS ALBERTO GARBI, vencedor, EGIDIO GIACOIA, vencido e JESUS
LOFRANO.
São Paulo, 4 de outubro
de 2011.
CARLOS ALBERTO
GARBI
RELATOR DESIGNADO PODER
JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DE SÃO PAULO
VOTO Nº 7.665
Apelação com Revisão
9166190-87.2006.8.26.0000
Comarca: São Paulo
(2a Vara de Registros Públicos)
EXTINÇÃO. COISA
JULGADA. RELATIVIZAÇÃO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. ESTADO DE
FILIAÇÃO. ADOÇÃO APÓS A MAIORIDADE DO ADOTADO REALIZADA NA
VIGÊNCIA
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988. POSSE DE ESTADO DE FILHO.
1. A coisa julgada não
pode fugir aos limites objetivos e subjetivos da demanda. Com
a alteração das partes e a inclusão do adotante, bem como em face de
novos elementos trazidos à demanda, abre-se uma nova cognição que
afasta a incidência da coisa julgada.
2. Não incide coisa
julgada sobre processos de jurisdição voluntária, uma vez que não
há lide entre as partes. A coisa julgada material se destina aos
efeitos da sentença que decide, a lide (art. 468, CPC); não havendo
lide, há coisa julgada.
Apelação com Revisão n°
9166190-87.2006.8.26.0000 - (Voto n° 7.665) RCFN PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DE SÃO PAULO
3. Em matéria de
filiação, a coisa julgada deve ser flexibilizada em nome
dos interesses maiores em julgamento que caracteriza a
excepcionalidade capaz de autorizar o afastamento da regra da coisa
julgada material, em
prol dos direitos fundamentais à filiação. É que o status de filho,
mais do que fonte de direitos patrimoniais, ostenta um inquestionável
viés existencial, como um substrato fundamental
para a concretização do
princípio da dignidade da pessoa humana.
4. Constituída a
paternidade socioafetiva de longa data, não há razão moral e jurídica
para impedir que a filha socioafetiva reivindique judicialmente
a determinação de seu estado de filha, notadamente quando contou com
o pleno reconhecimento de seu pai socioafetivo pela adoção declarada
na escritura pública e no pedido agora em julgamento.
5. Uma vez reconhecida a
adoção e a posse do estado de filho pelo adotante e considerando que
ao filho adotivo devem ser reconhecidos os mesmos direitos dos filhos
naturais, inclusive quanto à sua qualificação,
conforme determina a
Constituição Federal, deve ser deferido o pedido efetuado
pelo adotante e pelo adotado para retificação do registro civil
deste, inclusive para a alterar o seu estado de filiação.
6. A Constituição
Federal de 1988 aboliu o instituto da adoção simples regida
pelo Código Civil de 1916 ao estabelecer que os filhos adotados terão os
mesmos direitas e qualificações (art. 227, § 6º) que os filhos
biológicos. E não aboliu
a adoção simples apenas em relação às crianças e adolescentes.
É que dada a importância
do instituto da adoção, com efeitos que se prolongam por toda a vida
da pessoa, o disposto no parágrafo 6° do referido dispositivo
da Constituição tem amplitude que alcança não
apenas o caput, mas o
capítulo e o título em que está inserido "Título VIII - Da
Ordem Social; Capítulo VII - Da família, da criança, do adolescente e
do idoso". Tanto assim é que em consonância com a Constituição
Federal, o Novo Código
Civil de 2002, ao tratar das relações de parentesco,
reproduziu exatamente a redação do § 6º mencionado, em seu
art. 1.596, bem como regulou a adoção de maiores de 18 anos (art. 1.619) e
revogou todas as disposições que tratavam da adoção simples que
existiam antes da entrada em
vigor da Constituição
Federal de 1988. O Novo Código Civil deu nesse ponto a
exata compreensão da norma constitucional.
7. As leis que
definem o estado da pessoa aplicam-se imediatamente a todos que se achem nas novas condições
previstas. Os efeitos da adoção são regidos pelos direitos
e garantias fundamentais de igualdade e dignidade que a Carta Magna
assegura. A igualdade entre
os adotados alcança até mesmo as adoções feitas antes da Constituição
Federal de 1988. Nem haveria como
falar em um direito adquirido a ter permanentemente um filho em
status inferior.
Recurso provido para
reconhecer os efeitos plenos da adoção e determinar a retificação do
registro civil da adotada, substituindo o nome de seu pai natural
pelo nome do pai adotante e fazendo-se constar ainda o nome dos pais
do adotante como avós paternos, em substituição aos avós naturais,
desligando a
adotada de qualquer
vínculo com o pai e parentes naturais paternos, salvo os impedimentos
matrimoniais, e anotando-se que nenhuma observação sobre a
retificação deverá constar das certidões do registro,
salvo nos casos
previstos em lei. 1. Re correram os autores da sentença
proferida pela Doutora ANA LUIZA VILLA NOVA q u e, n os
autos da ação de retificação de registro civil
em virtude de adoção, deferiu o pedido de
exclusão do patronímico ' T. A." do
nome da autora, o qual faz
referência ao seu
p ai biológico, passando a mesma se chamar
"MM.Z.M.", bem como, julgou extinto o
processo, nos termos do art. 267, inc. V, do Código
de Processo Civil, considerando haver coisa julgada
em relação ao pedido de substituição do nome do pai biológico,
pelo nome de seu pai socioafetivo e adotivo, no seu registro civil de
nascimento, bem como em relação à substituição dos nomes dos
avós biológicos
paternos, pelos nomes dos genitores de seu pai adotivo.
Sustentaram, no recurso,
preliminarmente, que a sentença inconstitucional é inválida e ineficaz e
não faz coisa julgada, de forma que deve ser afastada a extinção do
processo e apreciado integralmente o mérito do pedido. Alegaram que a
Constituição Federal de 1988 retirou a eficácia e validade de toda e
qualquer lei infraconstitucional com ela inconciliável, de forma que não
havia lei infraconstitucional válida regendo o ato de adoção praticado
antes da vigência do Novo Código Civil. Acrescentaram que, além da adoção,
os laços de sócio-afetividade parental que unem as partes constituem
fundamento suficiente para o deferimento do pedido, conforme a jurisprudência.
Pediram o provimento do recurso para julgar integralmente procedentes os
pedidos.
O Ministério
Público opinou pela manutenção da sentença.
E o relatório.
2. Respeitado o entendimento em sentido contrário
do Douto Relator sorteado, penso que o recurso dos autores deve ser
provido.
De acordo com a inicial,
após o divórcio dos pais biológicos da autora, M.P.A., Z.M, o seu
pai biológico desapareceu, abandonando-a, e jamais a procurou.
O coautor, C.M.,
casou-se com a mãe da autora em 14.12.1982 e tornou-se pai sócio-afetivo
desde que ela contava com cinco anos de idade. Com efeito, relataram as
partes a existência de um firme vínculo de socioafetividade decorrente da
convivência, do amor e do carinho que um sempre dedicou ao outro como pai
e filha.
Para a regularização
desta situação, C.M., em 10.12.1998, por escritura pública, adotou
M.P.A.Z.
como sua filha, para
todos os efeitos de direito. A averbação da adoção foi deferida em
11.03.1999, inclusive com o acréscimo do patronímico do adotante ao nome
da adotada (M.P.A.Z.M.), conforme registra a certidão de nascimento
de fls. 13.
Sucede que o pedido para
substituir no registro civil a filiação
consanguínea paterna
pela filiação adotiva foi indeferido pelo Juiz
Corregedor dos Registros
Públicos, sob o fundamento de que a adoção
seria simples e poderia
ser revogada a qualquer tempo, nos termos do
Código Civil de 1916.
Entendeu-se que não se tratava de adoção uma vez que a adotada era maior e
por isso a adoção não seria recepcionada pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente e sim pelo Código Civil.
Também motivou o
indeferimento do pedido de reconsideração, na esfera
administrativa, o
argumento de que a disposição constitucional que dá
aos filhos adotados os
mesmos direitos e qualificações relativas à filiação
natural, não se refere à
adoção regida pelo Código Civil de 1916, mas
apenas à adoção regida
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (fls. 14
e l8 ).
A autora, então,
ingressou com novo pedido ao Juiz da Vara de Registros Públicos, que foi
indeferido sob os mesmos fundamentos, cuja decisão transitou em julgado
(fls. 92/97 e 102/104).
Diante de tal
indeferimento, a adotada ingressou com a presente demanda, desta vez,
juntamente com o adotante, reiterando tratar-se de adoção plena, uma vez
que foi realizada após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988,
que aboliu a adoção simples e tornou irrevogável o ato de adoção, assim
como determina que os filhos adotados devem ter os mesmos direitos e
qualificações que os filhos naturais, o que foi ignorado pela decisão da
demanda anterior.
Acrescentaram, ainda,
que a adoção pelo cônjuge da mãe da adotada
eqüivale ao
reconhecimento expresso do estado de filha.
Verifica-se que as
partes e os fundamentos do pedido são dive em relação à demanda
anteriormente proposta. Na demanda ei compareceu, também, o adotante, para
declarar e confirmar o estado de filha da autora, enquanto o pedido
anterior foi feito apenas pela adotada e se baseou somente na escritura
pública de adoção.
E certo que ao juiz não
é permitido decidir a mesma causa, cumprindo-lhe extinguir o processo sem
julgamento do mérito quando existir coisa julgada material (art. 267, inc.
V).
Todavia, a coisa julgada
não pode fugir aos limites objetivos e subjetivos da demanda. Decorre daí,
que não há coisa julgada em relação à presente demanda. Diante da
alteração das partes, com a inclusão do adotante, e dos novos elementos
trazidos com a demanda, abre-se uma nova cognição.
Ainda que se considere
idênticas as demandas, também não haveria coisa julgada, porque se trata
de processo de jurisdição voluntária, não havendo lide entre as partes. A
coisa julgada material é formada somente nos processos de jurisdição
contenciosa. Nesse sentido, vale lembrar que:
"Não incide a coisa
julgada material, também, sobre os efeitos de sentenças proferidas em
sede de jurisdição voluntária. [...] Ele (o Código de
Processo Civil) se apoia
decididamente na teoria da lide e desenvolve as conseqüências que
dela extrai seu famoso autor (Carnelutti).
Segundo essa teoria,
inexiste lide no processo voluntário; e, como a coisa julgada material
se destina aos efeitos da sentença que decide a
lide (art. 468), a
natural conseqüência sistemática é que esta não se sujeite ao
regime de imutabilidade inerente à coisa julgada material."
(Cândido Rangel Dinamarco; Instituições de Direito Processual Civil,
vol. III, 6
â edv rev. e
atual., p. 312)
Neste sentido é a
orientação da jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de
Justiça:
"A "jurisdição
voluntária" distingue-se da contenciosa por algumas características,
a saber: na voluntária não há ação, mas pedido; não há processo, mas
apenas procedimento; não há partes, mas interessados; não produz
coisa julgada, nem há lide." (REsp 238.573/SE, Rei. Min. SÁLVIO
DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, 4 T., j . 29-08-2000)
De qualquer modo, se
encontram presentes no caso os requisitos autorizadores da chamada
relativização da coisa julgada. Neste sentido, vale anotar que:
"Mesmo as sentenças
de mérito só ficam imunizadas pela autoridade do julgado quando forem
dotadas de uma imperatividade possível: não merecem tal imunidade [...]
(b) as que, por colidirem com valores de elevada relevância ética,
humana, social ou política, também, amparados constitucionalmente,
sejam portadoras de uma impossibilidade jurídicoconstitucional. [...] As
impossibilidades jurídico-constitucionais são o resultado de
um equilibrado juízo comparativo entre a relevância ético-política da
coisa julgada material como fator de segurança jurídica e a
grandeza de outros
valores humanos, éticos, sociais e políticos, alçados a dignidade
de garantia constitucional tanto quanto ela. A partir dessa premissa,
surgiu na doutrina brasileira e em algumas decisões do
Superior Tribunal de Justiça a coisa julgada inconstitucional, assim
inquinada pela contrariedade a
alguma garantia
constitucional de significado tão elevado quanto a auctorítas rei
judicatae ou até de maior relevância que a segurança nas relações
jurídicas. Por isso, não ficam imunizadas as sentenças que transgridam frontalmente
um desses valores, porque não se legitima que, para evitar a perenização
de
conflitos,
perenizem inconstitucionaliãaães de extrema gravidade ou injustiças
insuportáveis e manifestas. (Cândido Rangel Dinamarco; Instituições
de Direito Processual Civil, vol. III, 6a ed., rev. e atual.,
p. 314/315)
Também sustenta esta
solução, embora por outros caminhos, a doutrina de Eduardo Talamini, na
qual são preconizados os parâmetros objetivos de aferição da possibilidade
da quebra atípica da coisa julgada e entre eles a constatação da
possibilidade de produção de uma solução mais correta a partir da
comparação entre benefícios e sacrifícios concretos aos valores
constitucionais envolvidos em caso de manutenção ou quebra da coisa
julgada. E conclui seu estudo com a seguir, afirmação:
"Nos casos de
'coisa julgada inconstitucional', pode haver 'conflito entre
princípios constitucionais'. A recusa de enfrentá-los e resolvê-los -
seja negando a sua existência, seja afirmando que sua solução já é integralmente
dada pelas regras
inconstitucionais - é incompatível com a Constituição. O único modo
constitucionalmente legítimo de solucioná-lo consiste na ponderação dos
valores fundamentais envolvidos, no caso concreto"
(Coisa Julgada e sua
Revisão, ed. RT, p. 612-613).
Em matéria de filiação o
Egrégio Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a coisa julgada
deve ser flexibilizada em nome dos interesses maiores em julgamento.
Registre-se nesse sentido a decisão proferida em nova ação de investigação
de paternidade ajuizada depois de transitada em julgada a decisão
desfavorável, colhendo-se do voto do Eminente Ministro Castro Filho o
seguinte:
"O tema aqui
tratado é filiação,
portanto direito indisponível e
imprescritível, nos termos do que dispõe o artigo 27 do Estatuto
da Criança e do Adolescente, configurandp-se ] entre os direitos da
personalidade, o de maior relevância. Daí o manifesto interesse público
na matéria. Nesses casos, acertadamente, doutrina e jurisprudência
têm entendido que a ciência
jurídica deve acompanhar
o desenvolvimento social, sob pena de ver-se estagnada em
modelos formais, que não respondem aos anseios da
sociedade, nem atendeu
às exigências da modernidade. A esse respeito, por oportuno, destaco
as considerações do eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, no
julgamento do Resp 226.436/PR, D} 04/02/02, onde ficou
assentado que não faz
coisa julgada material a sentença de improcedência da ação
de investigação de paternidade por insuficiência de provas da
paternidade biológica." (REsp nº 427.117-MS, julgado em 04.11.2003,
DJ
16/02/2004).
Recentemente o Egrégio Supremo Tribunal Federal decidiu
pela relativização da coisa
julgada em caso de investigação de paternidade, cuja ação
determinou o prosseguimento a despeito do trânsito em julgado de decisão
desfavorável anterior, valendo reproduzir parte do voto do Min. Luiz Fux:
Apelação com Revisão n°
9166190-87.2006.8.26.0000 - (Voto n° 7.665) RCFN - Página 13 .
"[...] 29. Ocorre
que nenhuma norma constitucional, nem mesmo a regra da coisa julgada
ou o principio da segurança jurídica, pode ser interpretada isoladamente.
A Constituição brasileira em vigor caracteriza-se como um típico
compromisso entre forças políticas divergentes, que em 1988 se
uniram
para definir um destino
coletivo em comum (A respeito das diferentes forças políticas
que atuaram na assembléia constituinte de 1987-88, cf. PILATTI, Adriano. A
constituinte de 1987-1988 - progressistas, conservadores,
ordem econômica e regras
do jogo, Rio de Janeiro: Ed. Lumen Júris, 2008), balizando a atuação
dos poderes políticos através das regras e dos princípios definidos no
pacto constitucional. Trata-se de compromisso porquanto a base plural
da sociedade, no momento constituinte, assinalava relevância
a valores díspares, sem uma univocidade ideológica, provocando a
convivência, por
exemplo, da liberdade de
expressão (CF, art. 5 e IV) e do direito à intimidade (CF, art. 5º, proteção
do consumidor (CF, art. 5º, X] art. 170, V) e do princípio da livre
iniciativa (art. 170, caput), e de muitos outros casos mais. 30. A
finalidade por detrás deste pacto político abrangente, como explicita o
art. 3
a do texto
Constitucional, consiste em conduzir o Estado brasileiro à construção de
uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o
desenvolvimento nacional
de forma a erradicar a pobreza, a marginalização e a reduzir
as desigualdades sociais e regionais, com a promoção do bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação
(CF, art. 3º, inc. I a IV). E justamente na concretização de tais
metas, porém, que o caráter compromissório da Carta de 1988 se
mostra mais evidente, porquanto no caminhar para atingir tais
desideratos podem entrar em rota de colisão valores igualmente caros ao
texto
constitucional. 31.
Nesses casos, que sob um primeiro ângulo poderiam ensejar
verdadeiras arbitrariedades pelo intérprete, ao optar,
em voluntarismo, pela norma que lhe parecesse merecedora de maior
prestígio, impõe-se, como
ensina a novel teoria da
interpretação constitucional, a harmonização prudencial elconcordância
prática dos enunciados constitucionais em jogo, a fim de que cada
um tenha seu respectivo âmbito de proteção assegurado, como
decorrência do princípio da unidade da Constituição (SANCHIS, Luis
Prieto. El Juicio de
ponderación, In: Justicia constitucional y derechos
fundamentales, Madrid: Editorial Trotta, 2009, p. 188; BARCELLOS, Ana
Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional, Rio
de
Janeiro: Ed. Renovar,
2005, p. 32; BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito
constitucional contemporâneo - os conceitos fundamentais e
a construção do novo modelo, São Paulo: Ed. Saraiva, 2009, p. 302-4;
e GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, São
Paulo: Ed. Malheiros, 2005, p. 166). Em outras palavras, cabe ao
intérprete conciliar as normas constitucionais cujas fronteiras não
se mostram nítidas à primeira
vista, assegurando a
mais ampla efetividade totalidade normativa da Constituição, sem
que Apelação com Revisão n° 9166190-87.2006.8.26.0000 - (Voto n° 7.665)
RCFN - Página 16 qualquer de seus vetores seja relegado ao
vazio, desprovido de eficácia normativa.
Todo esse caminho lógico
a ser percorrido para a harmonização de comandos normativos indicando
soluções opostas demanda do aplicador da Constituição a reconstrução
do sistema de princípios e de regras exposto no seu texto, guiado por
um inafastável dever de coerência (NETO, Cláudio Pereira de Souza.
Ponderação de princípios
e racionalidade das decisões judiciais: coerência, razão
pública, decomposição analítica e standards de ponderação, In:
Constitucionalismo democrático e governo das razões, Rio de
Janeiro: Ed. Lumen
Júris, 2011, p. 144-7). E é somente quando essa tentativa de definição
dos limites próprios a cada norma fundamental se mostrar infrutífera,
já que sobrepostos os respectivos âmbitos de proteção, que cabe
ao intérprete fazer o uso da técnica da ponderação de valores, instrumentalizada
a partir do manuseio do postulado da proporcionalidade
(ÁVILA, Humberto. Teoria
dos princípios – da definição à aplicação dos princípios
jurídicos, Apelação com Revisão n° 9166190-87.2006.8.26.0000 - (Voto n°
7.665) RCFN - Página 17 * 46 São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 163 e
segs.),
a fim de operar
concessões reciprocas, tanto quanto se faça necessário, entre os
enunciados normativos em jogo, resguardado, sempre, o núcleo
essencial de cada direto fundamental (PEREIRA, Jane Reis Gonçalves.
Interpretação
constitucional e
direitos fundamentais, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2006, p. 297-382). E
por não ser lícito, mesmo nessas hipóteses, a ablação da eficácia, em
abstrato, das normas constitucionais, o resultado do
método ponderativo há de ser o estabelecimento de uma relação de
precedência condicionada (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos
fundamentales, Madrid: Centro de Estúdios constitucionales, 1993, p.
92) entre os princípios em jogo, identificando-se o peso prevalecente de
uma das normas com o devido balizamento por parâmetros (standards)
interpretativos que reduzam a arbitrariedade e estimulem
a controlabilidade intersubjetiva do processo
decisório. 33. O drama
humano narrado nestes autos, como já visto, coloca em rota de colisão as
normas constitucionais que tutela?
O primeiro
dos dispositivos mencionados consubstancia verdadeira regra jurídica,
porquanto enuncia uma hipótese de incidência e, simultaneamente,
o comando a ser
desencadeado pela configuração de seus pressupostos de fato, isto é:
a invalidade de qualquer ato do poder público que afronte a autoridade da
coisa julgada material (Nesse sentido, afirmando a natureza de regra
da garantia da coisa julgada material, cf BARROSO, Luís Roberto. O
controle de constitucionalidade no direito brasileiro, São Paulo: Saraiva,
2009, p. 223 e 226.). Já os dois últimos dispositivos assumem a forma
de princípios jurídicos, apontando para estados ideais a serem
alcançados sem predeterminar, desde logo, quais as condutas vedadas
ou permitidas e quais os efeitos que, em cada caso, devem ser
produzidos. 34. Na forma emíque configurado o litígio in casu, não hájnoko
de prestigiar a coisa julgada material sem que, simultaneamente,
sejam colocados de lado os dois outros princípios
constitucionais contrapostos: impedir o prosseguimento da
demanda, reconhecendo-se
o óbice da coisa julgada material, implica vedar
peremptoriamente a
elucidação, à luz da nova prova técnica disponível - o exame de DNA -da
origem biológica do autor, não trazida à
tona, na demanda
anterior já julgada, por conseqüência da insuficiência do
sistema estatal de assistência jurídica aos necessitados.
E, de outro lado, o
raciocínio simétrico também se mostra verdadeiro: tolerar a realização
do exame técnico nestes autos, como fruto da admissibilidade da
demanda, colocará em xeque inarredável a regra da coisa julgada
material,
desfazendo a proteção
que ela visa a promover.
Os dois vetores
mostram-se, assim, inconciliáveis, de modo que a prevalência de um
leva ao afastamento da eficácia normativa do outro para a solução da
presente controvérsia. Em um cenário como este, linha do que já
mencionado, única metodologicamente válida é a utilização, por esta
Corte Constitucional, da técnica da ponderação. Ressalte-se desde logo que
a previsão normativa da garantia da coisa julgada sob a forma de regra
não é suficiente, por si só, para pôr fim a qualquer perspectiva de
ponderação. Como vem reconhecendo a
novel doutrina da
hermenêutica constitucional, também as regras jurídicas, em
hipóteses excepcionais, submetem-se a um raciocínio ponderativo (Assim,
por exemplo, ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios - da definição
a aplicação dos
princípios jurídicos, São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 112 e segs. Em
sentido próximo, mas com distinções sensíveis, BARCELLOS, Ana Paula
de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional, Rio de
Janeiro: Ed. Renovar,
2005, p. 201 e segs.).
Para tanto, deve ser
realçada a razão subjacente à regra, isto é, o princípio que informa a
sua interpretação finalística e a sua aplicação aos casos concretos:
in casu, é o princípio da segurança jurídica (CF, art. 5º, visto, que
serve de manancial do sentido e do alcance da garantia da
coisa julgada material. Não basta, no entanto, cotejar, imediatamente
após isso, o peso de tal razão subjacente diante dos outros princípios em
jogo. É imprescindível que se leve em conta, ainda, que as regras
jurídicas, como categoria normativa, têm por reflexo, em sua aplicação,
a promoção de valores como previsibilidade, igualdade e democracia: a
aplicação das regras promove a previsibilidade pela certeza de que
a configuração de seus pressupostos de fato desencadeará a
conseqüência estabelecida em seu enunciado normativo; a igualdade,
pois cada agente social que se deparar com a hipótese de incidência
de uma regra poderá se pautar, diante dos demais membros
da comunidade, de acordo com o que ela prescreve, sem que seu regime
jurídico fique a depender de padrões comportamentais vagas ou
imprecisos, definidos casuisticamente; e a democracia, na medida em
que o legislador, constitucional ou
ordinário, ao fixar um
comando normativo através de uma regra jurídica, já realiza desde logo
uma decisão conteudística pobre o que deve com Revisão n°
9166190-87.2006.8.26.0000 - (Voto n° 7.665) RCFN - Página 22 dá ser, sem que
delegue ao judiciário a maleabilidade na definição da conduta válida
à luz do Direito (Nesse sentido, cf SCHAUER, Frederick. Thinking like
a lawyer - a new introduction to legal reasoning, Cambridge: Harvard
University Press, 2009, p. 35 e 195-6; e, do mesmo autor, Playing by the
rules - a philosophical examination of rule-based decision-making in
law and in life, Oxford: Clarendon Press, 2002, p. 135-66).
37. Assim, a técnica da
ponderação apenas poderá levar ao afastamento de uma regra jurídica
quando restar demonstrado, de modo fundamentado, que os princípios que lhe
são contrapostos superam, axiologicamente, o peso
(i) da razão subjacente
à própria regra e (ii) dos princípios institucionais da previsibilidade,
da igualdade e da democracia. Deste modo, como
afirma o Prof Luís Roberto
Barroso especificamente quanto à tese da relativização da coisa
julgada material (BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade
no direito brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2009,/p:
226), a técnica da
ponderação, instrumentalizada pelo postulado da
proporcionalidade, tem
de ser usada com cautela, já que a previsão da coisa julgada como uma
regra "reduz a margem de flexibilidade do intérprete". 38. A
hipótese dos autos, no entanto, tende a caracterizar justamente a
excepcionalidade capaz
de autorizar o afastamento da regra da coisa julgada material, em
prol dos direitos fundamentais à filiação e à assistência jurídica aos
necessitados. 39. Com efeito, a Carta constitucional de 1988 fixou o
princípio da dignidade
da pessoa humana como um fundamento da República (CF, art. I, III).
Disso decorre uma
prevalência axiológica inquestionável sobre todas as demais normas
da Constituição, que devem ser interpretadas invariavelmente sob a
lente da dignidade da pessoa humana (SARLET, Ingo Wolfgang. A
eficácia dos direito
fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 124-5;
e SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas, Rio de
Janeiro: Ed. Lumen Júris, 2004, p. 110). Assim, é a própria
dignidade da pessoa
humana que deve ser norte para a definição das diversas regras e
dos diversos subprincípios estabelecidos no texto constitucional,
funcionando como verdadeiro vetor interpretativo para a definição do
âmbito
de proteção de cada
garantia fundamental.
Mais do que isso: é também
a dignidade da pessoa humana que deve servir como fiel da balança
para a definição do peso abstrato de cada princípio jurídico estabelecido
na Constituição Federal de 1988. Segundo Robert
Alexy, a ponderação de
valores deve ser conduzida à luz do exame (i) do peso abstrato dos
princípios em conflito, (ii) da intensidade de interferência, no princípio
oposto, que se faz necessária para a preservação da eficácia de um
direito fundamental, e
(iii) da confiabilidade das premissas empíricas, nas quais se fundam as
afirmações a respeito da configuração de violação ou de promoção da
efetividade de uma norma fundamental (ALEXY, Robert. On
balancing and
subsumption: a structural comparison, In: Ratio Júris, v. 16, nº 4,
2003, p. 433-449). 40. Sob este prisma, no núcleo essencial da
dignidade da pessoa humana há de ser tido como presente o direito fundamental
à
identidade pessoal do
indivíduo, que se desdobra, dentre outros aspectos, na
identidade genética (BARBOZA, Heloísa Helena. Direito à identidade
genética, In: Júris poiesis, Edição temática: biodireito, 2004, p. 129; e
MORAES, Maria Celina Bodin de. Recusa à realização do exame de DNA e
direitos da personalidade, In: Na medida da pessoa humana - estudos
de
direito
civil-constitucional, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2010, p. 171). A
inserção de cada pessoa no mundo, para que possa realizar todas
as suas potencialidades,
é feita em função de sua história, projetando a auto-imagem e
a identidade pessoal a partir de seus dados biológicos inseridos em
sua formação, advindos de seus progenitores (ALMEIDA, Maria
Christina de. O DNA e
estado de filiação à luz da dignidade humana, Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2003, p. 79). E com o conhecimento do estado de
filiação que se fincam as premissas da atribuição à pessoa humana de
reconhecimento e de distinção no cenário social, permitindo sua
autodeterminação no
convívio com os iguais.
41. O projeto de vida
individual, o plano pessoal de felicidade que todo membro
da coletividade tem o direito de formular e a prerrogativa de almejar
realizar, portanto, torna-se dependente da investigação da origem de
cada um: ser reconhecido filho de seus genitores e ter ciência da própria
origem
biológica são
prerrogativas ínsitas à necessidade do ser humano de conhecer a
si mesmo e de ser identificado na sociedade (GOMES, Flávio Marcelo.
Coisa julgada e estado de filiação - o DNA e o desafio à estabilidade
da sentença, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2009, p. 39 e 249).
É assim que o status de filho, mais do que fonte de direitos
patrimoniais, ostenta um
inquestionável viés
existencial, como um substrato fundamental para a concretização
do princípio da dignidade da pessoa humana. 42.
Com efeito, na visão
tradicional do direito civil, que vigorou até o progresso científico
alcançado no último quarto do século passado, a posição
particular da pessoa
natural no seio social definida predominantemente por seu nome.
Era através desse sinal distintivo da personalidade,
que a integra e a
individualiza, que se alcançava a unidade fundamental, celular,
da vida jurídica, que consiste na pessoa humana (BARBOZA, Heloísa
Helena. Direito à identidade genética, In: Júris poiesis,
Edição temática: biodireito, 2004, p. 127). A construção da
identidade pessoal, no entanto,
sofreu forte influxo
pelo desenvolvimento das pesquisas em torno do genoma humano (MORAES,
Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade da pessoa humana,
In: Na medida da pessoa humana - estudos de direito
civil-constitucional, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2010, p. 99), e que
hoje figura como a última fronteira para a individualização
da identidade pessoal. [...] 44. A imbricação entre tal direito e o
núcleo do princípio da dignidade
da pessoa humana é mais
do que evidente.
Deveras, o conteúdo
semântico do termo dignidade remete à estima, ao valor que deve ser
reconhecido a cada pessoa por seus pares e pelo Estado. Já em Kant se lia a
lição, hoje em voga na doutrina contemporânea, de distinguir a valoração
no mundo social segundo as categorias do preço e da dignidade,
sendo esta última a
medida ínsita a aferição do valor moral que todo ser humano, por
sua própria natureza, carrega em seu interior (MORAES, Maria Celina
Bodin de. O princípio da dignidade da pessoa humana, In:
Na medida da pessoa
humana - estudos de direito civil-constitucional, Rio de Janeiro:
Ed. Renovar, 2010, p. 81). E este valor, essa individualidade própria
a cada um, e que permite o amplo desenvolvimento da personalidade,
depende do conhecimento das próprias origens, em especial no que toca ao seu substrato
biológico. [...] 55. Não é possível negar, como se assentou mais acima,
que também a coisa julgada guarda relação com o princípio da
dignidade da pessoa humana, na medida em que concretiza o princípio
da
segurança jurídica,
assegurando estabilidade e paz social. Porém, tal conexão apresenta-se
em grau distinto, mais tênue e, portanto, mais afastada do núcleo
essencial (e, como ensina a moderna doutrina do direito
constitucional
contemporâneo, a
eficácia jurídica do núcleo essencial da dignidade da pessoa humana
se equipara, na realidade, à de uma regra jurídica, e não à de um
princípio. Sobre o tema, cf. BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia
jurídica dos princípios
constitucionais - O princípio da dignidade da pessoa humana, Rio de
Janeiro: Ed. Renovar, 2008, p. 282 e segs.)
do princípio da
dignidade da pessoa humana do que o peso axiológico que, somados,
ostentam os direitos fundamentais à filiação (CF, art. 227, caput e §
6º) e a garantia fundamental da assistência jurídica aos desamparados (CF,
art. 5º, LXXIV). E é por esta razão que a regra da coisa julgada deve
ceder passo, em situaçõeslimite como a presente, à concretização
do direito fundamental a identidade pessoal. [...]
Esse conflito entre
princípios fundamentais não pode servir, porém, como visto antes,
para a ablação da garantia fundamental da coisa
julgada sem quaisquer
balizamentos, sob pena de se frustrar de forma absoluta o princípio
da segurança jurídica. Reitere-se, portarão, que o direito a filiação
por certo ostenta uma conexão nuclear com a dignidade da pessoa
humana. A partir, porém,
(i) da previsão da coisa julgada como uma regra, que denota
o prestígio que merece no conjunto de garantias fundamentais, (ii) da
necessidade de preservação da eficácia mínima do princípio da segurança
jurídica, que subjaz à própria coisa julgada material, e (iii) dos riscos
que envolvem o exame de DNA, cuja perspectiva de realização nem
sempre é idônea a trazer aos autos a verdade quanto à origem
biológica, impõe-se balizar a relativização da coisa julgada com
alguns parâmetros.
71. Na ausência de
previsão legal específica, que poderia operar a conciliação adequada
entre o princípio da segurança jurídica e os direitos fundamentais à
filiação e à assistência jurídica, impõe-se buscar, no sistema processual
em
vigor, o regime mais
aproximado e também tendente à tutela da segurança quando em causa o
ataque à coisa julgada material, adaptando-o, porém, à ponderação
desenvolvida. Preservar-se-á, assim, a eficácia mínima necessária do
princípio da segurança jurídica, prestigiando-se, igualmente,
o princípio democrático, pela adaptação às peculiaridades desta
hipótese sui generis com a disciplina processual já prevista em lei. 72.
O paralelo mais evidente a ser buscado, como é claro, é encontrado na
ação rescisória (CPC, art. 485 e segs.). As regras especiais com que
o legislador processual disciplina essa espécie de
demanda têm em vista a
sensibilidade de alguns valores fundamentais que sobrepujam a coisa
julgada material, e cuja violação, por isso mesmo, não poderia ficar
eternizada por conta do esgotamento das possibilidades recursais
em um determinado processo. E assim, por exemplo, que, em um
verdadeiro raciocínio ponderativo, explicitou o legislador que a
coisa julgada poderia ser desfeita quando em pauta violações, por
exemplo, à imparcialidade judicial (inc. 1), à garantia do juiz natural
(inc. II), à legalidade e à juridicidade (inc. V) ou ao direito à
prova (inc. VII). Em todos esses casos o que fez o legislador processual
foi mitigar o valor constitucional da prol de outros princípios
constitucionais contrapostos, e que, assim, obedecido o
prazo decadencial de dois anos, poderiam operar a desconstituição da
coisa julgada material em
caso de procedência do
pedido." (transcrição do voto-vista do Min. Luiz
Fux, publicada no
Informativo n. 631 do Egrégio Supremo Tribunal Federal,
proferido no julgamento
do RE nº 363889/DF, rei. Min. Dias Toffoli, julgado
em 02.06.2011, pelo
Tribunal Pleno, por maioria de votos, com repercussão geral -Acórdão ainda
não publicado)
Acolhida a preliminar de
inexistência de coisa julgada, a extinção do processo, sem julgamento do
mérito, deve ser afastada e, uma vez presentes os requisitos para o
julgamento do processo no estado em que se encontra, nos termos do art.
515, § 3º, do Código de Processo Civil, passa-se ao conhecimento do
mérito.
Há de se considerar,
primeiramente, que a Constituição Federal de 1988 aboliu o instituto da
adoção simples regida pelo Código Cr 1916, ao estabelecer que os filhos
adotados terão os mesmos direitos e qualificações (art. 227, § 6º) que os
filhos biológicos.
Vale l embr ar que
"as leis que definem o e s t a do da pessoa aplicam-se
imediatamente a todos
que se achem nas novas condições previstas" (Caio Má r io da Silva da
Silva Pereira, Instituições de direito civil, Rio de Janeiro:
Forense, 2009, vol. I,
p. 136).
No caso, a adoção
ocorreu em 1998, na vigência da Constituição Federal de 1988, de forma que
os efeitos da adoção são regidos pelos direitos e garantias fundamentais
de igualdade e dignidade que a Carta Magna assegura. A doutrina e a
jurisprudência vão ainda mais longe, ao sustentar que a igualdade entre os
adotados alcança as adoções feitas antes mesmo da Constituição Federal de
1988:
"... o estatuto
legal constitui a situação jurídica primária, enquanto o contrato
constitui a situação jurídica secundária, que é construída sobre a
base da primária: as modificações introduzidas na primeira atuam sobre
a segunda. Quando se está diante de situação de estatuto legal, pouco
sobra de espaço para as noções de direito adquirido, pois as primeiras celebraram
determinado ato submetendo-se ao referido estatuto, e, portanto, anuíram
desde
logo nas futuras
modificações que viesse a padecer o estatuto. Não há direito adquirido
a um estatuto legal. Porque leis sobre estatuto legal versam sobre
relações sociais fundamentais em qualquer coletividade, o interesse
público justifica que lei nova passe a orientar os efeitos futuros do ato
praticado. No
estatuto legal, não tiveram
as partes como ditar os efeitos jurídicos do ato celebrado, pois tal eficácia
é rigidamente estabelecida em lei de regime estatuário. Nas leis de
regime contratual dá-se o contrário, pois as partes têm
ampla liberdade de
escolher e dispor sobre os efeitos jurídicos do negócio. Roubier,
versando especificamente sobre a adoção, disserta que nela as partes
não são livres para estabelecer como quiserem os efeitos jurídicos do ato.
A
vontade das partes age
na formação do ato, mas não no pertinente aos efeitos, previstos inafastavelmente
na lei; assim, se a lei modifica os efeitos da adoção, ela não modifica os
efeitos de um contrato, mas os de um estatuto legak" (Sérgio Gi
s chkow Pe r e i r a, Estudos de direito de família, Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2004, p. 122)
Lembra o autor a
doutrina de Wilson de Souza Campos Batalha que acolhe a distinção de
Roubier e afirma que "os efeitos da adoção, entretanto, são
subordinados às leis sucessivas, por se tratar de estatuto legal: a esse
respeito é de admitir-se a incidência imediata das leis novas" e que
"o caso é de efeito imediato e geral da lei nova, incidente sobre os
efeitos jurídicos de um
ato que ainda estão se
produzindo. Não se cogita de atingir efeitos já produzidos, mas apenas
efeitos que venham a ocorrer. A regra do efeito imediato e geral é consagrada
em nosso direito, como mostra Rubens Limongi França (in Direito intertemporal
brasileiro). A eficácia imediata resguarda os efeitos que antecederam à
lei, atingindo somente os posteriores, com o que se evita a retroação"
(op. cit., p. 122/123). E afirma, em conclusão, que "nem haveria como
falar em um direito adquirido a ter permanentemente um filho em status inferior,
como que uma parcela de filho, um pedaço de filho, um terço ou um quarto
de filho" (op. cit. p.123).
Não há razão para
prestigiar a ligação biológica em detrimento da
afetiva, de
solidariedade, de fraternidade, ou de se fixar no entendimento
de que apenas importa
para a sociedade a adoção de crianças e adolescentes. E o argumento
contrário à adoção decorrente dos efeitos que ela poderão produzir a
outros parentes não se sustenta. É certo que os parentes do adotante, mesmo
contrariados com a adoção, "sofreriam" suas seqüelas (parentais,
alimentares, sucessórias, e t c ), tendo de "suportar" um
parente imposto, mas igual conseqüência decorre da decisão de qualquer
pessoa ter um filho natural. Não há motivo justo, destarte, a discriminar
o vínculo adotivo.
Como bem anotou Sérgio
Gischkow Pereira que "resta desejar que a
resistência emocional e
passional à igualdade dos adotivos anteriores à
Constituição Federal de
1988 termine por ceder diante da contundência e caráter pacífico das
opiniões doutrinárias e das decisões dos tribunais, amparadas por uma
visão mais profunda da perspectiva ética e da real nobreza de sentimento
e afeto. A adoção é instituto por demais sublime e grandioso, para que se
o amesquinhe com exegeses restritivas, alicerçadas no fechamento egoístico
da família consaguínea, em estranhas concepções sobre meias filiações e no
aceitar de uma desigualdade que provocará problemas psicológicos ao
adotado, tudo em nome de interesses menores, porque puramente
patrimoniais, ou seja, vinculadoas à herança (é muito difícil ver alguém
discutir o tema quando não há herança envolvida)."
Nos termos do art. 227,
§ 6º, da Constituição Federal de 1988: "Os
filhos, havidos ou não
da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas
àfiliação."
A norma constitucional
determina, destarte, a plena igualdade de direitos resultantes da
filiação, tanto para os filhos naturais como para os adotivos. Não há no
referido dispositivo qualquer referência à idade do adotado, a fim de se
limitar a igualdade apenas a crianças e adolescentes adotados.
Conquanto o caput do
referido parágrafo trata do dever da família,
da sociedade e do Estado
de assegurar às crianças e adolescentes os
direitos preconizados na
Carta Magna, dada a importância do instituto da
adoção, com efeitos que
se prolongam por toda a vida da pessoa, o
disposto no parágrafo 6º
tem amplitude que
alcança não apenas o caput, mas o título e o capítulo em que está inserido
"Título VIII - Da Ordem Social; Capítulo VII-Da família, da criança,
do adolescentee do idoso".
Como se vê, nenhuma
razão há para se limitar a plena igualdade de direitos resultantes da
filiação adotiva, determinada pelo art. 227, § 6º, aos filhos adotados
antes de atingir a maioridade. Tanto assim é que em consonância com a
Constituição Federal, o Novo Código Civil de 2002, ao tratar das relações
de parentesco, reproduziu exatamente a redação do § 6º
mencionado, em seu
art. 1.596, bem como regulou a adoção de maiores
de 18 anos (art. 1.619)
e revogou todas as disposições que tratavam da
adoção simples que
existiam antes da entrada em vigor da Constituição
Federal de 1988. O Novo
Código Civil deu nesse ponto a exata compreensão da norma constitucional.
E a interpretação que
tem sido prestigiada na doutrina, inclusive internacional, e na nossa
jurisprudência. A propósito vale reproduzir parte do irretocável parecer
do Professor Doutor Paulo Adib Casseb (fls. 45/46):
"A supremacia
formal torna a Constituição o fundamento de validade de todo o
ordenamento jurídico, devendo a ela conformar-se, plenamente, a
legislação infraconstitucional do pais. Como destaca o
constitucionalista português Jorge Miranda, 'como todas e cada uma
das normas, legislativas, regulamentares e outras, retiram a sua validade,
direta ou indiretamente, da Constituição, a mudança de Constituição acarreta
mudança do fundamento de validade'. Consequentemente, a legislação infraconstitucional
anterior compatível com a nova Constituição será recepcionada,
havendo, ainda segundo Jorge Miranda, uma verdadeira 'novação do
Direito interno anterior', já que, ainda que 'formalmente
intocadas', essas normas anteriores 'são novadas, no seu
titulo ou na sua força
jurídica, na Constituição; e sistematicamente deixam
de ser as mesmas'',
subsistindo 'como novo fundamento de validade e sujeitos aos princípios
materiais da nova Constituição'. Como acentua Luís Roberto
Barroso, 'embora o texto
da norma recepcionada permaneça o mesmo, poderá
ela merecer leitura e
interpretação diversas, quando o novo ordenamento
esteja pautado por
princípios e fins distintos do anterior', havendo 'verdadeira
recriação de seu
sentido'. Por outro lado, bem diferente é a situação da legislação infraconstitucional
anterior incompatível com a nova Constituição. Prevalece a supremacia
da nova Constituição em face do direito pré-
constitucional com ela
conflitante. A cada nova ordem constitucional, faz-se um juízo de conformidade
material entre o sistema legal anterior e o novo Texto Supremo e o
resultado é a não recepção das normas infraconstitucionais, atos e manifestações
de vontade colidentes com a constituição. Está conseqüência é
inquestionável e pacífica na doutrina nacional e estrangeira, bem
como plenamente aceita pela jurisprudência do
Supremo Tribunal
Federal".
O Egrégio Superior
Tribunal de Justiça já decidiu: "Ocorrida a morte da autora da
herança em 1989, quando já em vigor o art. 227, § 6º, da
Constituição Federal,
vedando qualquer tipo de discriminação entre os filhos
havidos ou não do
casamento, ou os adotivos, a recorrida, ainda que adotada em 1980, tem
direito de concorrer aos bens deixados pela falecida, em igualdade de condições
com os outros filhos, prevalecendo, nesse caso, os arts. 1572 e 1577, ambos
do Código Civil de 1916. (REsp 260079/SP, Rei. Min. FERNANDO GONÇALVES, 4º Tv
j . em 17-05-2005)
Além disso, nesta
demanda houve o reconhecimento da posse do estado de filho pelo autor
Chrysanthos Matheopoulos que afirmou na petição inicial que, em verdade,
assumiu a condição de pai socioafetivo da coautora desde que ela contava
com cinco anos de idade.
Nesse aspecto, vale
lembrar a doutrina de Maria Berenice Dias: "A filiação socioafetiva
assenta-se no reconhecimento da posse de estado de filho: a
crença da condição de
filho fundada em laços de afeto. A posse de estado é a expressão
mais exuberante do parentesco psicológico, da filiação afetiva. A
afeição tem valor jurídico. A maternidade e a paternidade biológica
nada
valem frente ao vínculo
afetivo que se forma entre a criança e aquele que trata e cuida
dela, lhe dá amor e participa de sua vida. Na medida em que se
reconhece que a paternidade se constitui pelo fato, a posse do estado de
filho
pode entrar em conflito
com a presunção pater est. E, no embate entre o fato e a lei, a presunção
precisa ceder espaço ao afeto." (Maria Berenice Di a s, Manual de
direito das famílias, 7- e d v São P a u l o: Editora
Revista
d os Tr ibuna i s, 2010,
p. 363) E a inda: "Nossa lei civil adota o critério socioafetivo
de paternidade quando trata da adoção nos artigos 1.618 e 1.619 do Código
Civil e nos artigos 39 a 52-D na Lei 8.069/1990, bem como quando regula a
reprodução assistida heteróloga no inciso V do artigo 1.597 do Código
Civil. Em ambas as hipóteses, apesar da inexistência do vínculo biológico,
o ordenamento jurídico reconhece a paternidade e a filiação pela
construção dos laços sociais e de afeto. Assim, o parentesco da relação
paterno-filial é decorrente não apenas da procriação carnal, mas também da
adoção e da reprodução medicamente assistida. Ao lado, então, do critério
jurídico da presunção de paternidade estabelecida pelo vínculo matrimonial
e do critério biológico, convive na codificação civil o critério socioafetivo
nas hipóteses supracitadas revelando que a paternidade possui uma dimensão
sócio-cultural-afetiva que merece acolhida pelo ordenamento, embora
não haja alusão textual
a filiação socioafetiva. Tal aspecto da paternidade ganha relevo nos dias
atuais em razão da irradiação do principio da dignidade da pessoa humana
no âmbito das relações familiares, que põe em destaque o desempenho da função
de pai em toda sua extensão em detrimento de dados puramente biológicos e
de dados registrais. Sua concretização impõe um pai que eduque, cuide, dê suporte
financeiro ao indispensável para a subsistência do filho e, ainda e principalmente,
suporte psicológico na trajetória do desenvolvimento rumo ao mundo adulto.
Dentro desta nova concepção Rodrigo da Cunha Pereira afirma que ser pai,
portanto, é muito mais que ser genitor, é o desempenho de uma função
exercida, a ocupação de um lugar dentro de um arranjo familiar, que possibilita
uma estruturação psíquica para seus componentes a partir da construção de
suas identidades." (Carla Ferreira Fernandes, A posse do estado de
filho e seus efeitos na constituição da paternidade, in Revista trimestral
de direito civil, vol. 45 janeiro a arço/2011, Rio de Janeiro: Padma,
p. 6/7)
De acordo com Maria
Berenice Dias: "O reconhecimento da paternidade ou da maternidade
socioafetiva produz todos os efeitos pessoais e patrimoniais que lhe são
inerentes. O vínculo de filiação socioafetiva, que se legitima no
interesse do filho, gera o parentescpsocioafetivo para todos os fins de direito,
nos limites da lei civil. Se menor, com fundamento no princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente; se maior, por força do princípio da
dignidade da pessoa humana, que não admite um parentesco restrito ou de
"segunda classe".
O princípio da
solidariedade se aplica a ambos os casos." {Manual de
direito das famílias, 7-
ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010,
p. 365) (grifo
nosso)
No caso, constituída a
paternidade socioafetiva de longa data, não
há razão moral e
jurídica para impedir que a filha socioafetiva
reivindique
judicialmente a determinação de seu estado de filha,
notadamente quando
contou com o pleno reconhecimento de seu pai
socioafetivo pela adoção
declarada na escritura pública e no pedido agora
em julgamento.
De outro lado, não há
necessidade de chamamento ao processo do
pai biológico da autora,
uma vez que sendo ela maior de idade, não está
sujeita ao poder
familiar, dispensando-se o consentimento de qualquer
outro para a sua
adoção.
O Egrégio Superior
Tribunal de Justiça já decidiu que: "O estado de
filiação não está
necessariamente ligado à origem biológica e pode, portanto,
assumir feições
originadas de qualquer outra relação que não exclusivamente
genética. Em outras
palavras, o estado de filiação é gênero do qual são espécies a filiação
biológica e a não biológica (...). Na realidade da vida, o estado de
filiação de cada pessoa é único e de natureza socioafetiva, desenvolvido
na convivência familiar, ainda que derive biologicamente dos pais, na
maioria dos casos " (Mauro Nicolau Júnior in "Paternidade e Coisa
Julgada. Limites e Possibilidade à Luz dos Direitos Fundamentais e dos
Princípios Constitucionais". Curitiba: Juruá Editora, 2006). (REsp
234.833/MG, Rei. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 4ª T., j .
25-09-2007)
A não prevalecer esses
fundamentos, diante da redação atual do Código Civil brasileiro, que
eliminou a adoção simples, os requerentes não estão impedidos de fazer,
hoje, uma nova adoção, seguindo agora as regras encontradas na lei civil
vigente, que asseguram pleno efeito da adoção, o que importaria,
consequentemente, no mesmo efeito aqui perseguido.
Portanto, uma vez
reconhecida a adoção de MPAZM por CM, passando aquela a usar o nome de
"Maria Zavitsanos Matheopoulos", e considerando que ao filho
adotivo devem ser reconhecidos os mesmos direitos dos filhos naturais,
inclusive quanto à sua qualificação, conforme determina a Constituição
Federal, o recurso deve ser provido para deferir integralmente os pedidos
e determinar a retificação do registro civil conforme requerido.
3. Pelo exposto, DOU
PROVIMENTO ao recurso para deferir não só o pedido de alteração do nome de
MPAZM para MZMM, já determinado na sentença, como também para o
reconhecimento dos efeitos plenos da adoção e a determinação de retificação
do registro civil, a fim de fazer constar como seu pai CM, em substituição
ao pai natural, e fazer constar ainda o nome dos pais do adotante como
avós paternos, em substituição aos avós naturais, desligando a adotada
de qualquer vínculo com o pai e parentes naturais paternos, salvo os impedimentos
matrimoniais, e anotando-se que nenhuma observação
sobre a retificação
deverá constar das certidões dç/regis\ro, salvo nos casos previstos em
lei. CARLOS ALBERTO GARBI
Relator Designado
DECLARAÇÃO DE VOTO
VENCIDO
Data venia da Douta
maioria, negava provimento ao recurso.
A correquerente MP, em
1998, foi adotada por CM, conforme se verifica do documento acostado
às fls. 12, pretendendo, por isso, a desvinculação
com o. seu pai biológico
e a conseqüente supressão de seu nome e de
seus avós paternos do
seu registro de nascimento, com o acréscimo do
nome de seu pai adotivo,
bem como dos nomes dos parentes a ele
relacionados.
Acolhido somente o
pedido de supressão do patronímico do pai biológico do nome da requerente,
insiste-se no acolhimento dos demais pedidos acima mencionados,
aduzindo-se que o dispositivo do Código Civil aplicado ao caso perdeu sua
eficácia em razão de norma constante da Constituição Federal. Nenhum
reparo, contudo, merece a r. sentença. Pelo que se deflui dos autos, a
autora, no ano de 2000, já ajuizou ação de retificação de assento, com os
mesmos pedidos constantes da presente ação, os quais já contaram com
apreciação judicial (fls. 15/17, 92/97 e 102/104), dando margem mesmo
ao
reconhecimento da coisa
julgada.
Não se desconhece, de
outra parte, a possibilidade de mitigação da coisa julgada material.
Contudo, afora a obrigatoriedade do ajuizamento de ação rescisória para
a desconstituição do julgado, a relativização da coisa julgada, na
lição de Marcus Vinicius Rios Gonçalves, está atrelada a
"situações
excepcionais",
reveladoras de teratologia, pois do contrário, "colocar-se-ia em
risco a estabilidade e a segurança das decisões judiciais" (Novo
Curso de Direito Processual Civil, Editora Saraiva, Volume 2, página
31).
Na espécie, nem de
longe, a decisão emanada está marcada pela teratologia, tampouco
refletindo um quadro de excepcionalidade a permitir a revisão do referido
julgado.
Na primeira ação
ajuizada pela correquerente Maria Petros, aplicou-se
o Código de Civil de
1916, vigente à época do caso, não havendo que
se falar em afronta à
Constituição Federal. A respeito do tema, já se
manifestou esta Colenda
Corte no V. Acórdão já prolatado na primeira
ação ajuizada pela
requerente: "A Constituição nada dispôs a respeito
do parentesco resultante
da adoção, significando que a regra do art.
376 do Código Civil, segundo
a qual o parentesco resultante da-adoção limita-se ao adotante e ao adotado,
salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, continua em vigor" (fls.
103).
Assim, não se pode
alegar a existência de circunstâncias supervenientes que, na dicção do
art. 1.111 do Código d© Processo Civil, poderiam autorizar a modificação
do que restou anteriormente julgado - (CPC, art. 1.111 - A sentença poderá
ser modificada, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, se ocorrerem circunstâncias
supervenientes.").
Concessa venia, dessa
forma, a r. sentença não comporta reparos, devendo ser confirmada pelos
seus próprios e bem deduzidos fundamentos, os quais ficam inteiramente
adotados como razão de decidir, nos termos do artigo 252 do Regimento
Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça.
O artigo 252 do
Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça estabelece que:
"Nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os
fundamentos da decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver
de mantê-la".
Nesta Seção de Direito
Privado tal dispositivo tem sido largamente utilizado por suas Câmaras,
seja para evitar inútil repetição, seja para cumprir o princípio
constitucional da razoável duração dos processos.
Anote-se, dentre tantos
outros: Apelação 99406023739-8, Rei. Des. Elliot Akel, em 17/06/2010;
AI 990101539306, Rei. Des. Luiz Antônio de Godoy, em 17/06/2Mjf Apelação
99402069946-8, Rei. Des. Paulo Eduardo Razuk, em 08/06/2010; Apelação
99405106096-7, Rei. Des. Neves Amorim, em
29/06/2010; Apelação
99404069012-1, Rei. Des. José Roberto
Bedran, em 22/06/2010;
Apelação 99010031478-5, Rei. Des. Beretta
da Silveira, em
13/04/2010; Apelação n° 99404080827-0, Rei. Des.
Álvaro Passos, em
17/09/2010; AI n° 99010271130-7, Rei. Des.
Caetano Lagrasta, em
17/09/2010; Apelação n° 99208049153-6, Rei.
Des. Renato Sartorelli,
em 01/09.2010.
O Superior Tribunal de
Justiça tem prestigiado este entendimento quando predominantemente
reconhece "a viabilidade de o órgão julgador adotar ou ratificar o
juízo de valor firmado na sentença, inclusive transcrevendo-a no
acórdão, sem que tal medida encerre omissão ou ausência de
fundamentação
no decisum " (REsp
n° 662.272-RS, 2ª Turma, Rei. Min. João Otávio
de Noronha, j . de
4.9.2007; REsp n° 641.963-ES, 2a Turma, Rei. Min.
Castro Meira, j .
de 21.11.2005; REsp n° 592.092-AL, 2a Turma, Rei.
Min. Eliana Calmon,
j . de 17.12.2004 e REsp n° 265.534-DF, 4a Turma, Rei. Min. Fernando
Gonçalves, j . de 1.12.2003).
E também o Supremo
Tribunal Federal tem decidido correntemente que é possível adotar os
fundamentos de parecer do Ministério Público para decidir, assim o tendo
feito recentemente na decisão da lavra do eminente Ministro Dias
Toffoli, nos RE 591.797 e 626.307, em 26.08.2010, em que assenta,
textualmente, o que
segue: "Acompanho na íntegra o parecer da
douta Procuradoria-Geral
da República, adotando-o com fundamento desta decisão, ao estilo do que épraxe
na Corte, quando a qualidade das razões permitem sejam subministradas pelo
relator**
(Cf. ACO 804/RR, Relator
Ministro Carlos Britto, DJ 16/06/2006; AO
24/RS, Relator Ministro
Maurício Corrêa, DJ 23/03/2000; RE 271771/SP, Relator Ministro Néri da
Silveira, DJ 01/08/2000).
Transcreve-se, por
oportuno, trecho da r. sentença que deverá ser mantida (fls. 108):
"A requerente
ajuizou ação no ano de 2000 na qual formulou pedido idêntico ao aqui
formulado, qual seja, a substituição do nome do pai biológico pelo nome do
pai adotivo, que implica na ruptura do vínculo de paternidade
biológica, além de ter
pedido a substituição dos nomes dos avós paternos biológicos pelos nomes
dos avós paternos adotivos.
Estes pedidos foram
indeferidos, conforme r. sentença copiada a fls. 92/97 e v. Acórdão que
negou provimento ao recurso de apelação da requerente, copiado a fls.
102/105, transitado em julgado (fls. 98).
Não há que se falar no
novo Código Civil, o qual não disciplina a adoção simples e, portanto, não
é aplicável ao caso em tela. Deve ser considerado o princípio de que
o tempo rege o ato. Portanto, quanto a tais pedidos, não cabe novo
julgamento e o feito deve ser extinto sem análise do mérito.
Era o quanto bastava,
sem mais delongas, à manutenção da r. sentença. Ademais, já decidiu
este E. Tribunal de Justiça que "o Juiz não está obrigado a responder
a todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente
para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos
fundamentos indicados
por elas e tampouco a responder um a um todos os seus argumentos" (JTJ
259/14).
Isto posto, pelo meu
voto, negava provimento ao apelo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário