O ministro Nilson Naves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), extinguiu a ação penal instaurada contra o empresário Alderico Rodrigues Mendes, 84 anos, em tramitação no juízo da Vara Criminal da Comarca de Patos de Minas, em Minas Gerais. Mendes foi acusado de crime contra a ordem econômica, por ter armazenado 20 botijões de gás parcialmente vazios em condições irregulares.
Segundo a denúncia do Ministério Público, em procedimento administrativo instaurado pela Agência Nacional de Petróleo, foi detectado que Mendes adquiriu e revendeu gás liquefeito de petróleo (GLP) em desacordo com as normas instituídas por lei. Em fiscalização de rotina, o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais esteve nas dependências do estabelecimento comercial de Mendes, onde foram detectadas diversas irregularidades, entre elas, o armazenamento irregular dos 20 botijões.
Com habeas-corpus negado no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a defesa do comerciante recorreu ao STJ pedindo o trancamento da ação penal. Alegou que a denúncia não especifica nenhum fato concreto e/ou conduta do denunciado, fazendo tão-somente uma narrativa abstrata, de que o paciente [Mendes] teria adquirido e revendido GLP em desacordo com as normas legais, impossibilitando, inclusive, a defesa. Sustentou, ainda, falta de tipicidade formal.
Ao decidir, o ministro Naves destacou que o artigo 1º da Lei n. 8.176 /1991, sobre crimes contra a ordem econômica, diz que constitui crime adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo.... Para o ministro, o simples armazenamento não constituiria crime. A mim me parece que a denúncia, como descrita, não logrou demonstrar, objetivamente, a aquisição, distribuição ou revenda repito o que lá está escrito: os botijões estavam parcialmente vazios, disse o relator.
Segundo o ministro, embora se admita denúncia sintética, não se admite, porém, denúncia vaga, imprecisa e omissa. Sob qualquer ângulo em que possa aqui examinar o caso, assinalou Naves, não vejo razoabilidade no prosseguimento da ação penal. Há, para o caso, sanções administrativas perfeitamente aplicáveis.
Processo(s) Relacionado(s):
STJ: HC 58884
HC 58884 (2006/0100626-1 - 16/09/2008)
DECISÃO MONOCRÁTICA - Ministro NILSON NAVES
Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 58.884 - MG (2006/0100626-1)
RELATOR : MINISTRO NILSON NAVES
IMPETRANTE : FRANCISCO DE ASSIS MARTINS
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS
GERAIS
PACIENTE : ALDERICO RODRIGUES MENDES
DECISÃO
Foi o paciente, Alderico Rodrigues Mendes, denunciado como
incurso no art. 1º, I, da Lei nº 8.176/91, pelos seguintes fatos:
"Consta dos inclusos autos do procedimento administrativo de
número em epígrafe, instaurado pela Agência Nacional de Petróleo
que, em 28 de janeiro de 2002, (...), o denunciado adquiriu e revendeu
gás liquefeito de petróleo (GLP) em desacordo com as normas
instituídas pela lei, notadamente lei federal n. 9847/99.
Segundo se apurou, em fiscalização de rotina, o Corpo de
Bombeiros Militar de Minas Gerais esteve nas dependências do
estabelecimento comercial do denunciado, oportunidade em que foram
detectadas diversas irregularidades, dentre elas, armazenamento de
20 botijões P13 parcialmente vazios em condições irregulares, entre
as quais a distância mínima necessária exigida pela Portaria 27/96."
Denegado o habeas corpus impetrado na origem, veio ter o
impetrante ao Superior Tribunal alegando, em síntese, que "a denúncia
não especifica nenhum fato concreto e ou conduta do denunciado,
fazendo tão-somente uma narrativa abstrata, de que o paciente teria
adquirido e revendido GLP em desacordo com as norma legais,
impossibilitando, inclusive, a defesa". Por fim, alegou FALTA DE TIPICIDADE FORMAL.
(grifei)
Pedi parecer ao Ministério Público Federal que, pelas palavras
do Subprocurador-Geral Francisco Sobrinho, manifestou-se pela
denegação da ordem.
Decido.
Veja-se que a denúncia descreve a ocorrência de crime contra a
ordem econômica. Pergunto: "O armazenamento de 20 botijões P13
parcialmente vazios" (botijões de gás) – é o que está escrito na denúncia
– ensejaria a incidência de norma que tem por objetivo proteger as
relações econômicas que ofendam interesses juridicamente relevantes,
diga-se, que lesionem a economia? A meu ver, não é caso de utilização
dos denominados meios repressivos (sanção negativa – castigo-pena).
Vem-me à memória o que escrevi para o REsp-663.912, de 2006:
"3. Welzel falou-nos do princípio da adequação social, enquanto
Roxin, vindo logo após, trouxe-nos o princípio da insignificância, um e
outro, ilustres penalistas germânicos, propõem se excluam, na maioria
dos tipos legais de crime, danos de pouca importância. Exemplificou
os casos nosso saudoso mestre Assis Toledo ('Princípios Básicos de
Direito Penal', 1986, Saraiva, pág. 121). Leiamos a sua lição:
'... o dano do art. 163 do Código Penal não deve ser qualquer
lesão à coisa alheia, mas sim aquela que possa representar prejuízo
de alguma significação para o proprietário da coisa; o descaminho do
art. 334, § 1°, d, não será certamente a posse de pequena quantidade
de produto estrangeiro, de valor reduzido, mas sim a de mercadoria
cuja quantidade ou cujo valor indique lesão tributária, de certa
expressão, para o Fisco; o peculato do art. 312 não pode estar dirigido
para ninharias como a que vimos em um volumoso processo no qual
se acusava antigo servidor público de ter cometido peculato
consistente no desvio de algumas poucas amostras de amêndoas; a
injúria, a difamação e a calúnia dos arts. 140, 139 e 138, devem
igualmente restringir-se a fatos que realmente possam afetar
significativamente a dignidade, a reputação, a honra, o que exclui
ofensas tartamudeadas e sem conseqüências palpáveis; e assim por
diante.'
Confira-se ainda a seguinte nota de Luís Greco ('Cumplicidade
através de ações neutras', 2004, Renovar, pág. 31):
'Os exemplos dados pela doutrina são somente casos em que,
evidentemente, não há qualquer dúvida a respeito da impunidade. Por
ex., Rogério Greco, Curso, pp. 67 (arranhão de 2 cm.) e 69 (furto de
um caramelo); cf. igualmente, os julgados em Ackel Filho, JTACrimSP
94 (1988), p. 75 e ss.'
O princípio da insignificância não deixa de ser tema recorrente,
surgindo ali e ressurgindo aqui e acolá, com o intuito de dar a
determinadas situações tratamento diverso do especificamente penal.
Escreveu Toledo: '... permite que o fato penalmente insignificante seja
excluído da tipicidade penal, mas possa receber tratamento adequado
– se necessário – como ilícito civil, administrativo etc.' E colho de
Roxin ('Problemas fundamentais de Direito Penal', 1986, Vega, págs.
28/9) o seguinte: (I) 'onde bastem os meios do direito civil ou do direito
público, o direito penal deve retirar-se'; (II) 'porque é evidente que nada
favorece tanto a criminalidade como a penalização de qualquer
bagatela'.
4. Voto, pois, pela concessão da ordem com o intuito de
restabelecer a sentença, que já rejeitara a denúncia – o fato
evidentemente não constitui crime (Cód. de Pr. Penal, art. 43, I)."
O referido acórdão porta esta ementa (DJ de 5.6.06):
"Princípio da insignificância (adoção). Furto (pequeno valor).
Tipicidade (inexistência).
1. A melhor das compreensões penais recomenda não seja mesmo o
ordenamento jurídico penal destinado a questões pequenas – coisas
quase sem préstimo ou valor.
2. Antes, falou-se, a propósito, do princípio da adequação social; hoje,
fala-se, a propósito, do princípio da insignificância. Já foi escrito: 'Onde
bastem os meios do direito civil ou do direito público, o direito penal
deve retirar-se.'
3. É insignificante, dúvida não há, a lesão ao patrimônio de um clube
em decorrência da subtração de vinte quilos de fios de cobre.
4. A insignificância, é claro, mexe com a tipicidade, donde a
conclusão de que fatos dessa natureza evidentemente não constituem
crime.
5. Recurso especial conhecido e provido."
Ao caso, aplica-se ainda, o que disse eu para o RHC-21.489 (DJ
de 24.3.08), a saber:
"Sobre a faculdade estatal de punir, escreveu Roxin ('Estudos...',
Renovar, 2006, pág. 33):
'A finalidade do direito penal, de garantir a convivência pacífica na
sociedade, está condicionada a um pressuposto limitador: a pena só
pode ser cominada quando for impossível obter esse fim através de
outras medidas menos gravosas. O direito penal é desnecessário
quando se pode garantir a segurança e a paz jurídica através do direito
civil, de uma proibição de direito administrativo ou de medidas
preventivas extrajurídicas.
O recuo do direito penal para trás de outros mecanismos de
regulamentação pode também ser explicado com base no modelo
iluminista do contrato social. Os cidadãos transferem ao Estado a
faculdade de punir somente na medida em que tal seja indispensável
para garantir uma convivência livre e pacífica. Uma vez que a pena é a
intervenção mais grave do Estado na liberdade individual, só pode ele
cominá-la quando não dispuser de outros meios mais suaves para
alcançar a situação desejada.'
Há, ainda, outra questão – acerca da atipicidade formal –,
veja-se o que diz o art. 1º da Lei 8.176/91, de seguinte teor: "Constitui
Documento: 4166810 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 16/09/2008 Página 3 de crime contra a ordem econômica: I- Adquirir, distribuir e revender
derivados de petróleo..." Ora, o verbo "armazenar" não integra o tipo. Ou
seja, o simples armazenamento não constituiria crime. A mim me parece
que a denúncia, como descrita, não logrou demonstrar, objetivamente, a
aquisição, distribuição ou revenda – repito o que lá está escrito: os
botijões estavam parcialmente vazios!
Vem-me à memória o que escrevi para o HC-42.486 (DJ de
22.5.06), aqui perfeitamente aplicável: "Conquanto se admita denúncia
sintética, não se admite, porém, denúncia vaga, imprecisa e omissa. Em
casos de ordem tal, a denúncia deixa de conter a exposição do fato
criminoso de acordo com o que está escrito no art. 41 do Cód. de Pr.
Penal."
Sob qualquer ângulo em que possa aqui examinar o caso, não
vejo razoabilidade no prosseguimento da ação penal. Há, para o caso,
sanções administrativas perfeitamente aplicáveis.
À vista do exposto, concedo a ordem a fim de extinguir, de uma
vez por todas, a Ação Penal nº 480.06.080224-0, em tramitação no Juízo
da Vara Criminal da comarca de Patos de Minas.
Publique-se.
Brasília, 10 de setembro de 2008.
Ministro Nilson Naves
Relator
Fonte: http://www.jusbrasil.com.br/noticias
Extraído de: Superior Tribunal de Justiça
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